A crônica domingueira. Por Magno Martins


Por Magno Martins – Jornalista, poeta e escritor – Devorei no último voo para Brasília o livro “Mude o conceito”, da jornalista gaúcha-pernambucana Jô Mazarollo. Trata-se de um longo depoimento da sua experiência como diretora de jornalismo da TV Globo Nordeste, no Recife, por 23 anos. Uma verdadeira aula do que é ser uma gerente inovadora, inquieta, ideias revolucionárias, sem perder, contudo, a alma de repórter.
Na Globo, vindo de destacada posição como editora em telejornais nacionais no Rio, onde fica a sede da emissora, Jô sucedeu Vera Ferraz, minha professora na Unicap, com quem tive mais afinidades, não só pelo aprendizado escolar, mas também pela amizade com o marido Vladimir, que indiquei para diretor da Cepe, a Companhia Editora de Pernambuco, quando secretário de Imprensa no Governo Joaquim Francisco.
Antes de ler o livro, confesso que não tinha a menor ideia do maravilhoso trabalho que Jô empreendeu na Globo. Vi que não se acomodou em nenhum momento em apenas dar a sua palavra final no que deve chegar aos telespectadores na condição de supervisora da equipe.
Fez muito mais. Na verdade, virou, literalmente, a emissora de cabeça para baixo. Renovou cenários, mudou conceitos, explorou a cultura nordestina em programas de cunho regional e criou até uma eleição para escolher o pernambucano do século, saindo vitorioso o eterno e saudoso Luiz Gonzaga, o Rei do Baião.
Ela diz que a obra é um amontoado de histórias, que começam com a primeira e incrível transmissão de um jogo de futebol por streaming. Mas é muito mais do que isso. São lições de como fazer jornalismo com garra e criatividade. Imagino as dificuldades que enfrentou para operar tantas e profundas mudanças estando sujeita ao bom humor das estrelas globais do Rio de Janeiro!
Não deve ter sido fácil, por exemplo, emplacar um clipe no Fantástico reproduzindo um manifesto em defesa do meio ambiente com o forrozeiro Petrúcio Amorim cantando Filho do dono! Igualmente, projetar em rede global o Sivuca Sinfônico, o mestre Sivuca em duo com a Orquestra Sinfônica.
Jô trouxe na sua bagagem a experiência também do que fez em Porto Alegre ao criar a série de reportagens numa incursão aos grotões do Estado com o “PE quero TV”. Diz ela: “Eu gostava de ir assistir aos telejornais na rua para ver a reação do telespectador”.
Jô foi mais além. Mudou o cenário e a forma dos âncoras da Globo Nordeste apresentarem seus telejornais. Marcio Bonfim e Clarissa Góes, principais apresentadores dos programas da Globo Nordeste, se movimentam hoje de um lugar para outro hoje no estúdio, largando a postura estática de antigamente, graças a Jô, cujo modelo foi copiado pela Globo Rio e outras afiliadas.
E Jô não foi apenas as ruas de Pernambuco e do Brasil. Esteve no Japão para conhecer, pasmem, forró. E foi lá que colheu uma grande lição que usou no seu trabalho no Recife: “Ninguém pode chegar no quarto e não saber arrumar a própria cama”. Isso mesmo! Dita por um homem simples em terras japonesas, despertou a atenção de Jô para um grande erro de quem está na chefia: não falar o óbvio por achar que todo mundo já sabia.
Gostei quando ela escreveu: “Liderar não é ocupar um cargo. É assumir uma causa. Causa feita de gente, cultura, respeito e coragem”. E sua coragem está sintetizada na sua maior realização: a mudança da estrutura da Globo, que funcionou por muitos anos num morro de difícil acesso, em Olinda, o do Peludo, para o coração do Recife, a Rua da Aurora.
“Meses depois das transmissões no novo endereço, Celso Coli, já aposentado, visitou a nova sede. Foi um motivo para celebrar e agradecer o empenho e as inúmeras defesas que fez comigo. Na fala, comentei que talvez eu tivesse sido a pessoa que mais defendeu e quis a mudança. Na resposta, ele disse: ‘Tire o talvez, você foi quem mais defendeu a troca’”, contou Jô, no capítulo que trata da troca de endereço da emissora.
Para a sociedade, especialmente os jornalistas, Jô deixa uma grande lição: ser chefe não é só cuidar do padrão global do jornalismo. É empreender. A persistência de um líder está na coragem e na sua capacidade de inovar. Se o jornalismo é a busca pela verdade, o empreendedor é o buscador constante de novas soluções.
Fica mais do que isso, outra irrefutável lição: se podemos sonhar, podemos realizar. O sucesso normalmente vem para quem está ocupado para procurar por ele. Afinal, Jô pode dizer, depois de cumprir sua missão na Globo, sem nenhuma pretensão: “Eu não sonhei com o sucesso. Trabalhei para ele”.
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