A estação e o coração. Por Flávio Chaves
Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc – Não sei se foi o trem que partiu antes da hora, se foi a estação que se perdeu no meio do caminho, ou se fui eu que fiquei parado com as mãos cheias de ausência, acreditando que alguém ainda viria. O que sei é que o amor, quando chega, não pede bilhete, não consulta relógios, não calcula distâncias. Ele vem como se viesse de muito longe, de lugares que nenhum mapa ousaria marcar, e ainda assim encontra o caminho exato para pousar no peito.
Há amores que não passam pela vida como passageiros distraídos: atravessam como paisagens definitivas, daquelas que ninguém esquece porque ficam gravadas na pele do coração. Esse amor não quer o conforto das respostas fáceis, querem a vertigem das perguntas que não cessam. Constantemente embaralha a pauta do encontro. E na da despedida quando se beija recita o dicionário inteiro de ternura. É amor que, ao chegar , devolve até a fé perdida, como se Deus, cansado de tanto silêncio, resolvesse nos visitar disfarçado de sorriso, de olhar, de perfume.
E quando chega, muda tudo: o corpo reaprende a respirar, a saudade deixa de ser dor para se tornar chama, e até a solidão ganha outra cor, como se dissesse: “espere mais um pouco, ela vai voltar, e virá com pressa, e cairá nos teus braços como quem reencontra o próprio destino”.
O amor não é nunca uma tese de juventude, é sempre uma sentença antiga, escrita em algum idioma que a memória não sabe decifrar. É viagem sem chegada, trem que não precisa de destino, porque o único lugar onde ele cabe é no peito aberto de quem ousa amar.
E se um dia, na curva de algum tempo que ainda não se viu, ela voltar sorrindo e beijar o coração que esperou, entende-se: não foi a estação que se perdeu, nem o trem que partiu cedo demais. Foi apenas o amor, esse viajante eterno, que precisava de silêncio e de ausência para ensinar que há saudades que doem, sim, mas que também salvam.
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