A morte da escritora Dima Diab e a ferida aberta da palavra. Por Flávio Chaves

Quando um escritor morre, o mundo perde um pedaço de si

  Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc  –  Em mais um ato de violência que atravessa o corpo e a alma de um povo, a escritora palestina Dima Diab foi assassinada junto com sua família no sul de Gaza, sob o impacto de um bombardeio israelense que não distingue inocentes de combatentes, livros de armas, memórias de alvos. Foram dias de fuga, de desalento e de esperança rarefeita. Deixaram Rafah sob o peso das ordens militares, buscando refúgio numa casa que deveria oferecer silêncio e segurança, mas que foi transformada em pó pelo mesmo regime de apartheid que, ao destruir paredes, tenta destruir também a possibilidade de um povo contar a sua própria história.

Poucos dias antes de sua morte, Dima havia compartilhado um vídeo de sua casa original. As imagens não eram apenas um registro físico, eram um abraço à memória, uma promessa íntima de retorno, como quem fala a uma casa como se ela fosse mãe. Ali, o sonho permanecia intacto, ainda que o horizonte estivesse tomado pela guerra. E agora, essa casa vive apenas nos olhos de quem a viu, na voz que se calou, no eco das palavras que a autora deixou gravadas no tempo.

Dima Diab não era apenas uma escritora. Era guardiã da memória da Palestina, narradora de sua dor e de sua beleza, tecelã de histórias que, mesmo quando falavam do sofrimento, carregavam o peso e a dignidade da resistência. Sua morte não é apenas mais um número na contagem sombria das vítimas. É uma mutilação do espírito coletivo, uma amputação na literatura, um silenciamento que reverbera para além de Gaza.

Escritora palestina Dima Diab, com seu gatinho

Quando um escritor morre, não é apenas uma vida que se extingue. É uma biblioteca inteira que se apaga, é uma ponte que desmorona entre o que fomos e o que poderíamos ter sido. Sinto, na morte de Dima, o mesmo vazio que sinto quando a página em branco me olha e não encontro mais palavras. Porque cada escritor que parte leva consigo uma parte invisível de todos nós que escrevemos, como se o nosso idioma perdesse um tom, uma cor, uma respiração.

O assassinato de Dima é mais do que um crime de guerra. É um ataque à cultura, à arte, à palavra como abrigo. É a tentativa deliberada de apagar a memória de um povo, golpeando aqueles que a mantêm viva. Israel não destruiu apenas um lar, destruiu um espaço onde a literatura respirava, onde a vida ainda era possível apesar do cerco.

O mundo das letras está de luto. Este luto não conhece fronteiras, não se limita à Palestina, porque a palavra pertence a todos os que têm sede de humanidade. Hoje, Gaza sangra, mas o sangue é de todos nós. E a nossa resposta, diante de tanta morte, só pode ser a defesa incondicional da vida, onde quer que ela respire, porque matar um escritor é tentar matar a própria possibilidade de sonhar.

E enquanto houver alguém capaz de lembrar o nome de Dima Diab, nenhuma bomba terá conseguido destruir completamente a sua casa, porque as paredes feitas de palavras não caem.

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