A tempestade passa. Quem te deu a mão, fica para sempre. Por Flávio Chaves

Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc  –  A terra ainda fumegava sob seus pés, como se o chão lembrasse cada corpo que ali tombara. O céu, rachado em cinzas, não oferecia consolo, apenas o silêncio duro de quem já viu demais. Ela estava de pé, coberta por pó e vestígios da luta, os olhos mirando um ponto invisível entre os escombros. Não tremia, mas dentro dela tudo era tempestade.

Ele a observava, encostado numa pedra gasta pela explosão, o ombro sangrando devagar, como se o corpo já soubesse que havia sobrevivido por teimosia. Por um instante, quis falar sobre a guerra, sobre tudo que viveram, sobre o que aquilo significava. Mas percebeu que seria inútil.

Então disse apenas:

Quando tudo ruiu, você ficou.

Ela virou o rosto, lentamente. Havia cansaço em seus olhos, mas também uma luz incandescente, a mesma que atravessa as árvores queimadas depois do incêndio.

Ele continuou:

Não foram as bombas que me feriram mais fundo. Foi o susto de não te encontrar no fim. Mas você estava lá. Você atravessou comigo.

Ela não respondeu. Deixou o silêncio falar, como se as palavras fossem pequenas diante daquilo. Deitou-se ao lado dele, os corpos tocando-se como quem jura fidelidade sem promessas.

O mundo podia continuar desabando. Eles sabiam, enfim, o que importava.

E ali, entre o pó e a memória, ele entendeu o que nunca mais esqueceria: a guerra testa o corpo, mas é a presença de quem fica que salva a alma.

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