Há um vinho à nossa espera, amor. Por Flávio Chaves
Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc – Há um vinho à nossa espera, amor, repousando no escuro de um tempo que ainda não chegou, embalado por séculos de silêncios e suspiros que ninguém ouviu, fermentado pela esperança de um beijo que ainda não aconteceu por inteiro, mas que já arde nos interstícios da alma como um fogo discreto que se alimenta da ausência.
É um vinho que dorme na adega invisível do destino, num bar que ninguém frequenta senão os que carregam a paciência dos que amam com fé cega. Não há nome na fachada, não há endereço fixo. É um lugar entre o ontem e o talvez, onde as garrafas são seladas com promessas e a música toca sempre em tom menor, como se cada nota esperasse uma dança que ainda não se deu.
Todos nós, em algum recanto da alma, guardamos uma taça limpa, jamais usada, um cristal intacto de desejo. Tocamos nela às vezes com a ponta dos dedos, como quem desperta memórias de uma vida que ainda não foi vivida. E esperamos. Como esperam os campos pela chuva, como esperam os rios pelo mar.
Há em cada um de nós um ritual adiado. Um brinde que não se fez, um gole que não molhou a boca, um riso que ainda não foi compartilhado à meia-luz, entre o tilintar de duas almas que se reconhecem. E enquanto isso, o vinho espera, pacientemente, sem amargura, amadurecendo sua doçura na solidão do tempo, como se soubesse que o amor verdadeiro não se apressa, apenas se prepara.
É possível que este amor esteja à nossa volta, sussurrando entre as folhas, caminhando ao nosso lado pelas calçadas anônimas, habitando os olhares que se desviam por timidez ou por medo. Talvez ele já tenha passado por nós, em silêncio, como um perfume leve que invade mas não se deixa capturar aos olhos alheios. E jáz esteja passeando por perto, subindo vagarosamente as escadas do tempo, tropeçando nos atrasos do destino, mas vindo, ainda assim, com a obstinação dos astros.
Há um vinho à nossa espera, amor, e ele não será bebido por engano. Quando nossos olhos se encontrarem em definitivo, e o gesto for mais forte que a palavra, saberemos. A garrafa se abrirá sozinha, como um segredo que se rende. E então brindaremos, enfim, não ao início de algo, mas ao fim de todas as esperas.
Porque há amores que chegam com a lentidão dos milagres. Mas quando chegam, reconstroem o tempo. E tornam cada gole uma eternidade.
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