A humanidade é mais atraente em silêncio; pode decepcionar se abrir a boca

Na horizontal, na proporção de 13,9 cm x 9,1 cm, a imagem apresenta uma figura humana em preto, de perfil, com braços estendidos para a frente, posicionada diante de um grande livro em pé, do mesmo tamanho que ela. Na capa branca do livro aparece a silhueta de outra pessoa em preto ou seu próprio reflexo, de frente e de braços cruzados. Pequenas formas estrelares espalhadas ao redor; o fundo é bege.

Ilustração de Ricardo Cammarotta (Folha)

Luiz Felipe Pondé
Folha

A quem interessa, afinal, seus gostos sexuais? Homens, mulheres, animais, plantas, ou alguma forma de panteísmo sexual interessa a você e a mais ninguém, inclusive, porque ouvir sobre a vida sexual dos outros é, como dizem os americanos, boring (entediante).

Fala-se do fim da privacidade por culpa das redes sociais, mas a grande culpa das redes sociais é ter trazido à tona as obsessões das pessoas. A humanidade é sempre mais interessante quando em silêncio —quando abre a boca, pode decepcionar. De boca calada parecemos mais interessantes porque desconhecemos o ridículo que passa pela nossa cabeça.

CAIR NO RIDÍCULO – Voltando ao tema da vida sexual dos outros e suas opções. Perdemos a noção do quão ridículo é falar publicamente das suas aventuras ou desventuras sexuais, suas taras e seu posicionamento político quanto ao gozo. A sociedade do espetáculo (Guy Debord) destruiu o gozo sexual.

Portanto, há uma variável política na exposição da vida sexual: só os gêneros oprimidos importam. Os grupos LGBTQIA+ largam na pole position da exposição da vida sexual porque seu gozo é político.

Falar “sou gay”, “sou bi”, “sou trans”, “sou não binário”, é um ato político. O que antes poderia ser visto como um modo de chocar o burguês, como diziam os franceses, “épate le bourgeois”, hoje varia entre ser um ato “revolucionário” e uma constatação entediante.

ATOS POLÍTICOS – Num mundo saturado da pequena política como hoje, até o restaurante que você vai poderá ser um ato político, como frequentar um restaurante aberto por refugiados, mesmo que a comida seja ruim.

Quem você come, para quem você dá, antes, era pauta para imprensa marrom ou revistas de fofoca, porque, no fundo, é pura fofoca. É que hoje, com a saturação do mundo pela ideia de que tudo, até um arroto, pode ser um ato político, até a fofoca é política.

Os fofoqueiros tomaram conta da mídia profissional. O mundo da cultura agora é o paraíso das almas fúteis.

PINTAR O CABELO – Quer ver outro ato político? Muitas mulheres terem deixado de pintar os cabelos desde a pandemia. Então, pintar os cabelos significava buscar cabeleireiros que operavam na clandestinidade, furando o lockdown. Sendo você consciente epidemiologicamente, você mulher, deveria manter os cabelos brancos. Se pintou, era bolsonarista.

De lá pra cá, essa marca dos cabelos brancos —e devo reconhecer que muitas dessas mulheres ficaram lindas com seus cabelos brancos—, assumiram também a velha crítica de se homens podem ter cabelos brancos, por que mulheres não poderiam? A partir de agora, mulheres conscientes não pintam mais os cabelos. Eis um pequeno novo imperativo categórico.

SUPREMA IDIOTICE – Ainda relacionado aos tempos da pandemia, aqueles que tinham tomado a vacina contra a Covid, e se fossem de direita, deveriam esconder dos seus correligionários, caso tivessem “traído” a causa tomando as vacinas. Supremamente idiota, não? A espécie Sapiens é mesmo estruturalmente psicótica.

Hoje, todos devem expor suas vísceras se quiserem engajar e manter seus empregos nas novelas e afins. A miséria de caráter se tornou uma prerrogativa profissional em certos meios. Postar que brochou prova que não é machão, postar que seu casamento não tem sexo, e, se tiver, você não goza, é a prova suprema de que você é uma mulher livre e moderna.

É UMA PESTE – Se você é jornalista e trabalhou para uma emissora X, jamais conseguirá emprego numa Y porque tornou-se portador da peste. E isso numa categoria profissional que costuma jogar pedras nos pecadores do resto do mundo em nome da “ética da informação”.

Cuidado com o que fala, escreve, enfim, cuidado com os gestos. Em bares e restaurantes, cuidado com o que fala ou falam ao seu lado na mesa, pois ninguém sabe quem pode estar te gravando ou filmando. Cortes nas redes destroem vidas.

Sinalize alguma virtude sempre que possível. Seja penetrado ou penetrada por gente cool. E, se gozar, grite “do rio ao mar, Palestina livre!”.

GOSTA DE APANHAR? – Nunca confesse que gosta de apanhar. E se alguém insistir no assunto, diga que ultimamente esse tema não está muito presente na sua agenda porque você tirou um ano sabático para cuidar de moradores de rua.

Sofra de depressão traumática pré-apocalipse climático. Ameace sua família de se matar porque o Trump existe. Seja antissemita. Psicanalistas descolados e feiras literárias chiques são antissemitas, logo, ser antissemita hoje é hype.

Finja, como os inteligentinhos fingem, que você está profundamente preocupado com Gaza, mesmo que tenha vivido toda a sua vida não dando a mínima para qualquer conflito terrível na face da Terra. E, acima de tudo, mande seu pai tomar naquele lugar.

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