Jô Mazzarolo entra para a Cadeira 14 da Casa de Carneiro Vilela. Por Flávio Chaves
A eleição da jornalista e escritora reafirma o compromisso da Academia Pernambucana de Letras com a renovação literária e a preservação da palavra como patrimônio
Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc – A eleição de Jô Mazzarolo para a Cadeira número 14 da Academia Pernambucana de Letras reverberou como um aceno ao futuro. No salão onde ecoam lembranças de Carneiro Vilela, idealizador e primeiro presidente da Casa, e no mesmo recinto que um dia recebeu Alfredo de Carvalho, Clóvis Beviláqua, Arnaldo Marques e tantos outros pertencentes à linhagem fundadora, os acadêmicos reconheceram na jornalista e escritora uma afinidade profunda com o gesto que deu origem à instituição: honrar a língua, o pensamento e a memória cultural de Pernambuco.
Fundada em 1901, sob inspiração direta de Carneiro Vilela, a Casa não nasceu como um monumento silencioso, mas como expressão viva de uma responsabilidade literária. A eleição de Jô confirma a vitalidade desse projeto inicial, que se mantém fiel ao propósito de cultivar a palavra como herança e destino. Ela chega ao quadro acadêmico como quem compreende que a escrita também é forma de cidadania, e que o texto, quando verdadeiramente comprometido com a dignidade humana, é guardião da vida, do país e de seus sentidos.
A trajetória profissional de Mazzarolo está assentada sobre o rigor ético do jornalismo. Seus textos, marcados pela escuta atenta do tecido social, sempre se voltaram ao exercício de iluminar zonas de sombra, restaurar contextos, interrogar estruturas de poder e fazer da notícia uma forma de consciência pública. “Ouço a rua e recolho seus rumores. Toda notícia é também um retrato da alma coletiva. Quando escrevo, busco ouvir o que ainda não foi dito, e recolher o que sobra depois que o grito se cala.” Nesse breve fragmento, colhido de uma reflexão autoral, percebe-se a delicadeza de seu pensamento e a densidade estética que se alonga para além da reportagem.
Ao migrar do texto jornalístico para a escrita literária, Mazzarolo reencontrou uma camada mais íntima da linguagem. Ali estão as memórias, os afetos, os silêncios que não cabem na urgência do noticiário, mas que ganham corpo na tessitura da literatura. Em outro recorte lírico, ela escreve: “É preciso tatear a claridade. A realidade às vezes fere, mas a beleza se esconde nos desvãos, onde ninguém costuma olhar. Escrever é permanecer diante do silêncio até que ele finalmente fale.” Nessa delicada afirmação, percebe-se uma autora que encontrou no verbo uma forma de resistência, recolhimento e revelação.
A Casa de Carneiro Vilela testemunhou a votação que consagrou seu nome. Os membros reunidos, atentos às demandas culturais do presente e à responsabilidade simbólica da entidade, destacaram na eleição de Jô um ato de renovação criteriosa. A Cadeira número 14 passa, assim, a ser habitada por uma mulher que reconhece na escrita mais que um gesto estético, mas um dever moral e uma aliança com a dignidade da vida. Sua obra representa a consciência de que a literatura não pode se afastar da pergunta essencial que move os tempos: que humanidade somos e que humanidade desejamos preservar.
Desde sua fundação, a Academia Pernambucana de Letras permanece fiel ao princípio que a ergueu. Não é apenas abrigo para livros e discursos, mas território onde a palavra é guardada como patrimônio e o pensamento é cultivado em vigília. A chegada de Jô Mazzarolo reafirma essa arquitetura histórica. A instituição confirma, com sua eleição, que permanece aberta à reflexão contemporânea, às vozes femininas, ao olhar que perscruta, critica e amplia o entendimento do Brasil.
Em tempos de pressa, ruído e fragmentação, sua entrada na Casa é sinal luminoso. A Academia acolhe, em seu corpo cultural, alguém que tratou o jornalismo como serviço público e a literatura como espaço de revelação. Jô não escreve para enfeitar o mundo, mas para compreendê-lo e devolvê-lo à consciência de quem lê. Sua presença honra o espírito fundador de Carneiro Vilela e dos primeiros acadêmicos, trazendo vigor, ética e delicadeza à tradição literária pernambucana.
Que a Cadeira número 14 lhe seja abrigo, mas também convocação. Porque a imortalidade acadêmica não é diploma, mas tarefa: vigiar a língua, preservar a memória, garantir que o texto continue sendo a casa onde o espírito repousa e de onde renasce. A eleição de Jô Mazzarolo sinaliza que a palavra permanece viva e que, na Casa de Carneiro Vilela, a literatura segue sendo destino, vigília e compromisso com a humanidade.
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