A crônica domingueira. Por Magno Martins
Por Magno Martins – Jornalista, poeta e escritor – O jornalismo é feito de emoções. Já vivi muitos momentos de coração pulsante. Estive frente a frente com figuras emblemáticas, como Fidel Castro, em Cuba, na residência oficial do ex-presidente cubano. Já tive o privilégio de almoçar com o poderoso Roberto Marinho, do alto do seu salão oval das Organizações Globo, no Rio, avistando o Corcovado.
Entrevistei Barbosa Lima Sobrinho em sua casa em Laranjeiras, no Rio. De José Sarney até Lula, entrevistei com exclusividade todos os presidentes da República. Na arte, Luiz Gonzaga me deu três entrevistas. Quem tem alma de repórter, faro de pedigree, a notícia é trazida pelo vento.
Curtindo o Crato, ontem, com minha Nayla, o vento soprou e me levou a outro momento inesquecível no jornalismo: uma visita a dona Almina Arraes, de 101 anos, a única irmã viva do ex-governador Miguel Arraes.
A encontrei extremamente lúcida, embora com fortes ruídos de audição. Simpática, através do seu filho Joaquim Bezerra, servidor aposentado do Banco Central, residente no Recife, abriu as portas da sua casa onde já morou dona Benigna, sua mãe e mãe de Arraes.

Um ambiente aconchegante, pontilhado por imagens históricas da família que a poeira do tempo não tirou o brilho nem o cupim roeu, como a foto oficial de Miguel Arraes prefeito do Recife em 1959. Também Arraes abraçando dona Madalena, sua esposa, ao sair da prisão no Rio de Janeiro em plena ditadura do golpe militar de 64.
Tão logo postei ontem o vídeo da minha visita, a família se manifestou. Emocionadas, a deputada Maria Arraes e a ex-deputada Marília Arraes me enviaram mensagens e fotos da família reunida no casarão de dona Almina.
Que momento lindo! Que recepção carinhosa e vibrante! Dona Almina é uma alma iluminada, uma benção de Deus. Aos 101 anos, ainda escreve no computador, devora livros e pinta. É uma eximia pintora. Suas obras de arte estão espalhadas no terraço da sua casa, na sala, nos quartos e na sala de estar.
Quando fez 85 anos, segundo o filho Joaquim, entrou num curso de Informática de seis meses, e colocou numa “cartilha” tudo o que havia aprendido para distribuir aos amigos interessados “em mexer com computador”. Conseguiu, com isso, fazer uma rede virtual, e ainda hoje se comunica com eles também dessa forma.
Entre os 80 e 90 anos, fez cursos de artesanato pela internet, lia jornais diários, falava com membros da família fora do Brasil, baixava músicas antigas e já “achou” na rede algumas amigas do seu tempo de infância que, como ela, também se integraram à comunicação virtual.
Dona Almina Arraes de Alencar Pinheiro nasceu em Araripe (CE), em 03.08.1924, filha de José Almino de Alencar e Silva e Maria Benigna Arraes de Alencar. Foi a sexta filha deste casal, que teve também Miguel, Maria Alice, Anilda, Laís, Alda e Violeta. Em 1928, a família mudou-se para Crato, a fim de proporcionar uma melhor educação formal aos filhos. Dois anos antes, a Diocese da cidade havia implantado o Colégio Diocesano de Crato (para educação masculina) e, posteriormente, criou também o Colégio Santa Teresa de Jesus, (destinado à educação feminina).
Ambos os educandários proporcionavam o ensino dos primeiros anos do curso médio completo. Foram neles que estudaram os filhos do casal José Almino e Maria Beniga. Dona Almina é uma mulher admirável! Conhecida por sua inteligência e perspicácia, fez o curso primário (hoje o básico) no educandário Santa Inês, pertencente a três irmãs que vieram instalar essa escola no Crato. Iniciou o intermediário no Colégio Santa Teresa de Jesus, também no Crato, mas veio a concluir esse curso na Escola Normal Rural da cidade de Limoeiro do Norte, no Ceará.
Almina foi a oradora e a aluna com as melhores notas da sua turma. Voltando ao Crato, depois de formada, exerceu o magistério até a chegada dos primeiros filhos, frutos do seu casamento, em 1946, com César Pinheiro Teles. Da união nasceram 6 filhos: Maria Edite, Joaquim, José Almino, Maria Amélia, Maria Benigna e Antônio César. As obrigações com a casa e a criação dos filhos não inibiram a criatividade de Almina.
Esta foi sempre uma característica dela: usar seu pouco tempo livre lendo e pesquisando, como forma de preencher as atividades do seu dia a dia, virtude essa que conservou até hoje. Foi da iniciativa de Dona Almina os manuscritos que proporcionaram o primeiro livro de poesias do consagrado e conhecido poeta Patativa do Assaré. Almina copiava em cadernos os versos ditados por ele. Suas anotações chegaram à editora Borsoi, no Rio de Janeiro, que publicou o primeiro livro de Patativa, em 1953, com o sugestivo título de “Inspiração Nordestina”.
Dona Almina pintou mais de 100 quadros. Lá atrás, ainda bem ativa, sensível à crise no setor da produção das conhecidas redes artesanais do Ceará, dona Almina montou um consórcio para dar saída à produção feita nos teares artesanais, ajudando muitas mulheres “rendeiras”, na obtenção de emprego e renda.
Esta iniciativa foi destacada na edição da revista “Continente”, da Companhia Editora de Pernambuco–CEPE, edição de 01.07.2012. Depois que atingiu os 90 anos, dona Almina passou a dedicar parte do seu tempo pesquisando métodos artificiais de polinização de plantas. Essa prática foi usada no seu jardim doméstico, um dos mais bonitos e bem cuidados do Crato.
Também desenvolveu uma chocadeira adaptando caixas de isopor para multiplicação de codornas, dotada de sensores e termômetros para controlar a temperatura. Pesquisei e encontrei um depoimento muito interessante sobre Dona Almina, de autoria de Jorge Furtado, roteirista da Rede Globo.
Em 2015, o cineasta Guel Arraes, sobrinho dela, esteve com uma equipe da TV Globo no Cariri produzindo uma reportagem sobre o Projeto Casa Grande, na vizinha cidade de Nova Olinda. Jorge Furtado, integrante da equipe, assim registrou a visita que fez a Dona Almina, àquela época com 91 anos de idade. Num artigo que publicou, Jorge Furtado encerrou com a seguinte frase: “Dona Almina ainda não sabe o que vai ser quando crescer”.
Dona Almina é um dos maiores patrimônios humanos do Brasil. Um patrimônio moral, ético, um dos ícones da cultura do Crato, segundo definiu o escritor Armando Lopes Rafael, conterrâneo do Crato, numa homenagem pela passagem do centenário dela, ano passado.
Confira, em vídeo, a visita a casa da dona Almina aqui.




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