UM DIA SEM TI, E O MUNDO SE CURVA PARA O NADA. Por Flávio Chaves
Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc – Há dias que não são dias, são apenas intervalos vazios entre o que fomos e o que tememos ser. E há um tipo de ausência que não se anuncia com estardalhaço, mas chega de mansinho, como o vento frio que entra pela fresta da janela e vai roubando a alma do corpo aos poucos. Assim é o dia em que não se sabe de ti. Um dia que não traz teu nome na boca do mundo, que não deixa vestígio teu no céu da manhã, que não permite à memória o consolo de um sinal. Um dia desses é como morrer à míngua, sem saber, sem entender, sem poder fazer nada além de esperar.
Não saber de ti é vagar por um mundo sem tradução. É habitar um idioma de sombras, onde cada objeto lembra tua ausência, onde o espelho se recusa a refletir um rosto inteiro, e o silêncio lateja como uma ferida aberta dentro do peito. O mundo, sem tua notícia, sem tua voz ecoando ainda que em uma sílaba, torna-se um território inóspito, um deserto onde os pássaros se calam e os relógios giram sem sentido. O tempo, esse impostor que sempre enganou, se arrasta como um animal ferido, cuspindo horas sem brilho, sem destino, sem calor.
Tu, que foste farol, agora és sombra. Mas não uma sombra qualquer. És aquela que permanece mesmo quando todas as luzes se apagam. Aquela que não abandona nem quando se tenta esquecer, nem quando se finge não sentir, nem quando se sorri por educação diante dos outros. Estás aqui, na margem de tudo que não se sabe mais nomear, como um fantasma terno que observa enquanto se vive esse dia mudo, esse espaço sem ti.
Como pode um simples silêncio teu abalar tanto a estrutura do mundo? Como pode um dia sem tua palavra tornar-se uma eternidade de aflição? Dói a espera, sim, mas dói ainda mais o vazio de sentido que tua ausência provoca. Não saber se estás bem, se respiras com leveza, se pensas em mim enquanto o dia corre, isso é uma forma de martírio que os dicionários não explicam. É um luto sem corpo, uma saudade sem endereço, uma oração feita ao vazio.
Tudo grita tua falta. O café que esfria na xícara porque tua ausência o amarga. A cadeira ao lado da mesa que não se move, que permanece imóvel, como se soubesse que tu não virás. A cortina que se agita com o vento, e que engana por um segundo, como se fosse tua mão abrindo a janela. Até os objetos da casa aprenderam a se calar. Como tudo.
E, no entanto, a esperança é uma teimosa. Um pequeno lume que insiste em não apagar. A cada notificação no telefone, a cada passo vindo da rua, a cada sombra que se move no fim da tarde, o coração acelera, perguntando-se se serás tu. Como se a vida toda estivesse condensada na possibilidade do teu retorno, na promessa da tua voz rompendo o exílio que teu silêncio construiu entre nós.
Há quem diga que o amor é presença. Mas o amor verdadeiro é resistência. É continuar sentindo mesmo quando tudo empurra para o esquecimento. É continuar vivendo mesmo quando tudo dentro pede rendição. É continuar morando em ti, mesmo que tua casa esteja fechada.
E mesmo que amanhã o mundo volte a curvar-se para o nada, ainda assim haverá olhos voltados para o horizonte, esperando tua luz.
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