EDITORIAL | Gazeta Pernambucana – 14 de Outubro: A Solidão que Gera a Palavra
Segunda Reflexão da Semana da Missão do Escritor: a entrega silenciosa e criadora de quem escreve
Entre o ruído do mundo e o silêncio da palavra, existe um lugar raro, quase secreto, onde poucos ousam permanecer. Esse lugar não se encontra nos mapas, tampouco nas agendas ruidosas do cotidiano; ele habita a interioridade de um ser atravessado por inquietação: o escritor. Um ser convocado por uma força que não se explica, mas que pulsa como destino inevitável. O escritor não escreve para preencher o tempo ocioso, nem para alimentar a voracidade das redes. Ele escreve porque há em sua alma uma urgência que transborda o silêncio e reclama linguagem. Uma necessidade visceral de dar voz ao que muitos sentem, mas não sabem nomear. E essa revelação, essa alquimia entre o sentir e o dizer, só se realiza atravessando uma solidão que não é ocasional, mas ontológica. Uma solidão que não exclui, mas funda. A solidão sagrada do escritor.
Essa solidão não é exílio, não é recusa do mundo. É, antes, uma forma profunda de estar no mundo. É um recolhimento ativo, uma escuta ampliada, um mergulho nos substratos do real. É nesse átrio do silêncio que o escritor ouve os murmúrios da memória coletiva e pessoal, as pulsações de ideias ainda sem forma, os resquícios de sentidos que flutuam no invisível. Ele se retira para poder reencontrar. Cala-se para poder nomear. Esvazia-se de si para hospedar o que ainda não é. Como um sacerdote da palavra, o escritor se consagra a esse rito solitário de escuta e reinvenção.
Cada frase que emerge do papel carrega um percurso invisível. É filha de uma luta silenciosa entre o pensamento e a expressão, entre o vivido e o dizível. Escrever é um ofício de paciência e risco. É um gesto de fé — fé na potência da linguagem, fé na inteligência sensível do leitor, fé na possibilidade de que, através das palavras, o humano ainda possa se encontrar e se transformar. Por isso, não existe escrita verdadeira sem esse mergulho radical na própria vulnerabilidade. Todo escritor autêentico é, antes de tudo, um peregrino do silêncio e um escultor da escuta.
A solidão do escritor é seu único território de liberdade. Ali ele pode despir-se das conveniências, desmontar os clichês, resistir à superficialidade. É nesse espaço que a alma se expande e se desnuda, onde as verdades ocultas se revelam sem temor, onde a dor é transfigurada em palavra digna. O escritor escreve para que o mundo não se perca em ruídos. Para que a palavra, mesmo que frágil, siga sendo um farol no caos. Ele escreve porque acredita que certas palavras podem mudar destinos, restaurar sentidos, abrir fendas no real.
Neste segundo momento da Semana da Missão do Escritor, rendemos nossa homenagem não apenas àquele que publica livros ou textos, mas àquele que se oferece como canal do indizível. Celebramos o escritor como mediador entre o caos e a beleza, entre a dor e a dignidade, entre o tempo e a eternidade. Aquele que ousa escrever quando tudo convida ao silenciamento, aquele que não tem medo de escutar a própria sombra, aquele que constrói pontes com palavras entre ilhas de silêncio.
Sim, é dessa solidão sagrada que nascem as obras que desafiam os calendários. É desse recolhimento que brota a palavra que permanece. E é por isso que hoje, mais do que nunca, celebramos o escritor como aquele que, mesmo sozinho, não escreve para si, mas para todos nós.
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