Ao te dar meu coração, entreguei a minha vida. Por Flávio Chaves
Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc – Te dei o coração como quem dá a própria vida. Sem documentos, sem recibos, sem prazo de devolução. Te dei no susto, na febre, no meio da noite, como quem não sabia mais onde terminava o corpo e começava o outro. Não foi escolha. Foi impulso do ser. Instinto de quem já viveu o suficiente para saber que amar é atravessar a ponte e depois queimá-la atrás de si.
E quando te dei o coração, dei também o tempo. Os meus silêncios de madrugada. As gargalhadas que eu ainda nem tinha. Dei a infância que ficou presa numa foto antiga. Dei a esperança que guardava para um futuro que já não importava. Dei até a memória de mim antes de ti, e agora já nem sei se existia.
Às vezes me pergunto se amar é uma forma de morrer de leve, um suicídio doce da individualidade. Porque algo se perde, sim. Algo de solitário e selvagem, algo que nunca mais será recuperado. Mas em troca se ganha um outro ritmo. Um compasso novo. O milagre de alguém respirar ao lado e fazer sentido de coisas que antes eram apenas sombra.
Te dei o coração como quem crava uma bandeira no solo fértil. Como quem planta. Como quem reza. Como quem diz: Agora é aqui que eu vivo ou desapareço. É estranho pensar que, mesmo depois de tanto, o coração não pede troca, porque foi dado. Não pede resgate. Não reclama juro. Porque quando é amor de verdade, daquele que pulsa com o barro da existência, a entrega não fere, fecunda.
E, com tudo isso a vida fica bonita com tudo em sua volta. Maravilhada em seu entorno. Porque te dei não para possuir, mas para transbordar.
E se um dia fores embora, e levares com você o que te dei, saiba que não me falta nada. Porque quem dá o coração como quem dá a própria vida, descobre que a vida nunca foi só sua. Ela sempre quis ser partilhada.
E ainda que eu fique só, estarei inteiro.
Porque o amor, quando é amor de verdade, é sempre semente. Nunca ruína.
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