Dentro de um vinho cabe um abraço. Por Flávio Chaves

      Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc  –  Há um instante em que a taça pousa na mesa e tudo se aquieta. O vinho dentro dela não é apenas bebida: é memória, desejo, promessa. A cor rubra lembra os corações que se abriram para amar e sangraram no caminho. A textura lenta recorda os encontros, os olhares, os gestos que nunca chegaram a ser palavras. Dentro de um vinho cabe um abraço porque no calor do gole há sempre alguém esperando ser acolhido.

Cada sorvo é um retorno às mãos que já tocaram a nossa pele. É como um beijo derramado na boca da taça, um beijo que não se perde, apenas muda de forma. O vinho aquece porque carrega o sol das uvas, mas também o calor dos corpos que um dia se amaram no silêncio de um quarto. Ele é um convite a encostar a cabeça no ombro de quem amamos, mesmo que esse ombro esteja distante.

Dentro de um vinho cabe o instante em que dois olhares se cruzam e se reconhecem. Cabe a timidez de um toque inicial e a ousadia de um toque final. Cabe o sabor da espera, que é amargo, e o sabor do encontro, que é doce. É um líquido onde a solidão se dissolve, onde a angústia se deixa acalmar, onde o amor encontra um jeito de existir mesmo quando não pode ser dito.

Um abraço é o gesto que transforma corpos em refúgio. E quando os braços não estão por perto, o vinho se torna um abraço líquido, uma carícia morna deslizando pela garganta, descendo até o peito, aquecendo o que estava frio. Ele não substitui, mas lembra. Não cura, mas acalma. Não promete, mas acompanha.

Talvez por isso, ao final de um dia em que o mundo parece pesado, seja no vinho que buscamos abrigo. Porque dentro dele cabe o abraço que desejamos, o beijo que não demos, a ternura que ficou suspensa no ar. Ele é o espaço secreto onde ainda podemos sonhar com o encontro, com a pele encostada na pele, com a respiração dividida entre duas bocas.

Dentro de um vinho cabe um abraço, e dentro desse abraço cabe tudo o que somos: medo, coragem, saudade, alegria, amor. Quando o vinho encontra a boca, o tempo parece parar. O mundo desaparece e ficamos só nós, essa vontade de sentir o outro, de caber dentro do outro, de sermos inteiros ao menos por um gole, por um instante.

E é assim que seguimos: erguidos entre taças e esperas, entre sonhos e silêncios, bebendo não apenas o vinho, mas a esperança de que um dia o abraço venha, e dentro dele caiba toda a vida que ainda pulsa em nós.

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