A madrugada em mim ainda é você. Por Flávio Chaves
Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc – Não sei se sou eu que estou triste ou se essa sombra existe no meio do mar. Às vezes me pergunto: essa dor é minha ou o mundo inteiro está chorando comigo sem saber?
A madrugada chegou como chegam as dores que não pedem licença. Não há barulho lá fora, mas aqui dentro tudo grita. É como se as horas parassem e os ponteiros apenas circulassem a saudade, girando em volta de algo que não tem mais presença, mas nunca deixou de existir. Eu olho para a parede, para o teto, para dentro de mim, e percebo: não sei se é saudade, solidão, dor ou essa coisa sem nome que ainda pulsa e me rasga: o amor.
E não adianta dizer que passou. Não passou. Apenas mudou de lugar. Hoje convivo com a falta como quem compartilha o mesmo teto com fantasmas: sei que ninguém vê, mas eles me seguem por todos os cômodos. E o mais assustador não é o silêncio deles, é o fato de eu reconhecer seus passos. São os ecos daquilo que fomos. Do que ainda sou, mesmo sozinho.
Ela não está aqui. Por isso já não fala, já não toca. Mas é como se tudo nela ainda sussurrasse em mim. Um perfume imaginado, um riso lembrado, uma frase que me visita de repente no meio da noite. Não precisa de muito. Basta lembrar sem querer. E tudo volta — não para ficar, mas para doer mais um pouco.
Nosso amor foi feito de linguagem rara. De instantes que só nós dois entendíamos. De cumplicidades que nenhuma fotografia registrou. Era no silêncio que a gente se dizia inteiro. Era no toque que o mundo se calava. E mesmo nas distâncias, havia um tipo de presença que ninguém conseguia apagar. É disso que sinto falta: não apenas dela, mas do que éramos quando estávamos juntos.
Eu não digo seu nome. Não porque ela tenha saído de mim, mas porque permanece tanto, tão viva, que qualquer palavra seria pequena demais para conter o que ela ainda é em mim.
Não a chamo. Não porque não deseje, mas porque ela nunca partiu. Está aqui. Silenciosa. Inteira.
E eu sigo. Escrevendo porque não sei outra forma de respirar. Amando porque não aprendi a desamar. Silenciando, porque às vezes amar é isso: aceitar que há sentimentos tão grandes que só cabem no silêncio.
Se alguém me perguntar um dia, direi: houve uma madrugada em que eu senti tudo. Tudo ao mesmo tempo. E por amor, escolhi não dizer o nome dela.
Mas no fundo, cada batida do meu coração continua escrevendo esse nome, como quem ama desesperadamente.
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