Vídeo: Desrespeito à Bandeira de Pernambuco: Ignorância e Desconexão Cultural no Palco de Carpina. Por Flávio Chaves
Cantora da Banda Calcinha Preta desrespeita símbolo de Pernambuco em show de São João e revela o abismo entre o espetáculo vazio e a cultura nordestina.
Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc – Durante apresentação realizada no último dia 26 de junho, no município de Carpina, a cantora Silvânia Aquino, da Banda Calcinha Preta, protagonizou um episódio que gerou indignação generalizada no público local. Em pleno palco, ao segurar a bandeira do Estado de Pernambuco de forma invertida, foi alertada de que se tratava de um símbolo oficial. Em vez de reconhecer o equívoco com humildade, preferiu desafiar a inteligência coletiva da plateia, perguntando: “Estou errada?”, enquanto mantinha a bandeira de ponta cabeça.
Mais grave ainda, ao tentar amenizar a situação enrolando-se no pavilhão pernambucano, seguiu com declarações consideradas desrespeitosas e infelizes, demonstrando um completo despreparo e desconhecimento do que aquela bandeira representa.
Como já dizia o lendário Odorico Paraguaçu, personagem imortalizado por Paulo Gracindo: “A ignorância é que atravanca o progresso”. E esse episódio é, infelizmente, um retrato nu e cru da banalização do simbólico, do vazio da linguagem e da presença de artistas que não se relacionam com a cultura local, nem com a história do chão que pisam. Nelson Rodrigues também profetizou: “Os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos”. E se multiplicam nos palcos, nos contratos públicos, nas planilhas de cachês milionários que prefeituras aceitam pagar em nome de uma “festa” que cada vez menos tem a ver com o espírito junino.
O que se viu em Carpina não foi apenas uma apresentação ruim, onde as músicas eram cortadas pela metade e os próprios integrantes da banda pediam que o público cantasse em seu lugar. O que se viu foi um reflexo preocupante de um modelo cultural que vem sendo deturpado pela busca do espetáculo pelo espetáculo. Um São João sem alma, onde o forró raiz cede lugar à estética comercial do que nada representa os festejos de Santo Antônio, São João e São Pedro.
A pergunta precisa ser feita sem medo: será que o interesse em trazer bandas que não têm identidade com a cultura nordestina está atrelado aos altos valores que permitem tabelas infladas com fins escusos? O tradicional “favores”? A contrapartida dos contratos e os jogos de bastidores que transformam o erário em moeda de influência e de ilusão?
Não se trata aqui de bairrismo, mas de respeito. Respeito à identidade de um povo que faz do seu São João uma das mais legítimas expressões culturais do Brasil. A cultura junina é feita de zabumba, sanfona, triângulo e poesia popular. De fogueira, milho assado, ciranda e xote. Não de playback, bandeiras de cabeça para baixo e frases ofensivas.
As prefeituras, por sua vez, não são meras espectadoras. Elas são coautoras dessa desconexão cultural, quando contratam artistas sem qualquer vínculo com o momento ou com a tradição. Ao priorizarem o “nome de peso” ao invés do conteúdo e da autenticidade, colaboram diretamente com a desfiguração do São João.
O que se vê, cada vez mais, é a repetição moderna da política romana de “Panem et Circenses”, o famoso “pão e circo”. Na Roma Antiga, a tática era simples: alimentar e entreter a população para manter o controle social, desviando a atenção daquilo que realmente importava. Os imperadores ofereciam grãos e espetáculos de gladiadores para o povo esquecer da crise, da corrupção, da miséria. Hoje, o método mudou de forma, mas não de essência. Ao invés de pão, distribuem brindes. Ao invés de circo, shows dissonantes, recheados de pirotecnia vazia, coreografias ensaiadas e agora até luzes dirigidas por drones — um espetáculo visual artificial que nada tem a ver com o São João e que ilude os menos esclarecidos, seduzindo o olhar com fumaça eletrônica e disfarçando a ausência de conteúdo com brilhos programados. É mais um símbolo da estupidez institucionalizada, onde o que deveria ser tradição é trocado por efeitos de fachada.
É preciso repensar o modelo. Resgatar a essência. Devolver ao povo não só o seu símbolo, mas também o sentido. A bandeira de Pernambuco não pode ser usada como pano de cena por quem não conhece a história de lutas e resistências que ela carrega. Ela não é acessório. É memória.
Diante do que se viu em Carpina, é justo dizer que Silvânia Aquino e a Banda Calcinha Preta deveriam se ausentar de Pernambuco por um bom tempo. Não por vingança, mas por respeito. Para refletirem sobre o que significa estar em terra alheia, cantar para um povo que tem orgulho de sua identidade e carregar consigo mais do que repertório: carregar consciência.
Pernambuco, afinal, não é palco para ignorância. É território sagrado de cultura, inteligência, resistência e beleza.
Veja o vídeo:
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