A escrita que restitui: Andrea Campos lança obra que reconstrói a presença da mulher na história de Pernambuco
“Genealogia da Mulher Pernambucana” desafia o esquecimento e inscreve novas vozes na memória do Estado
Poucos gestos têm o poder de reescrever o passado. Um deles é a pesquisa obstinada. Outro, o gesto literário. A escritora e pesquisadora Andrea Almeida Campos une ambos em Genealogia da Mulher Pernambucana — das origens à primeira metade do século 20, obra que será lançada nesta sexta-feira (10), às 19h, no estande da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), durante a 15ª Bienal Internacional do Livro de Pernambuco.
O livro, fruto de mais de uma década de investigação, se debruça sobre trajetórias femininas apagadas ou subestimadas pela historiografia oficial. A autora reúne perfis biográficos e verbetes de mulheres que marcaram a vida política, cultural, educacional e social do Estado, compondo um mosaico plural da presença feminina em Pernambuco, presença esta que, por muito tempo, foi deliberadamente ignorada nos arquivos e nas narrativas dominantes.
Entre as personagens evocadas estão figuras consagradas como Dona Brites de Albuquerque, Dandara dos Palmares e Bárbara de Alencar, mas também nomes menos lembrados como Hermina de Carvalho Menna da Costa, Fédora do Rêgo Monteiro e, sobretudo, Edwiges de Sá Pereira, a homenageada central da obra.
Edwiges foi uma mulher de vanguarda: jornalista, educadora, feminista, a primeira a integrar a Academia Pernambucana de Letras e a se inscrever na Associação da Imprensa de Pernambuco. Foi também colaboradora de jornais influentes como o Diario de Pernambuco, Jornal do Commercio e periódicos de outras regiões do país, em um tempo em que o espaço para vozes femininas era mínimo e quase sempre condicionado ao silêncio.
A própria gênese da obra de Andrea é simbólica: o ponto de partida foi um presente recebido em 2010 — um exemplar raro do livro Pernambucanas Illustres, publicado em 1879 por Henrique Capitolino. A partir dali, Andrea percebeu estar diante de uma lacuna histórica que exigia resposta.
“Aquela leitura despertou em mim um chamado. Era como se houvesse um eco feminino esperando ser ouvido”, afirma a autora, que é sobrinha-bisneta de Edwiges de Sá Pereira.
O projeto amadureceu em várias frentes. Em 2015, um discurso proferido na cerimônia da Medalha Heroínas de Tejucupapo, da OAB-PE, consolidou parte da linha narrativa do livro. Em 2024, como pesquisadora visitante na Universidade Paris 8, Andrea retomou o manuscrito sob a perspectiva dos estudos de gênero. De volta ao Brasil, foi o acervo da Fundaj que forneceu os documentos, livros e registros raros que deram densidade ao projeto editorial.
“Foi um trabalho de arqueologia. De rastrear, validar, interpretar. Muitas dessas mulheres sequer aparecem nos registros escolares ou na memória institucional. Essa ausência não é casual. Ela é estrutural”, explica Andrea.
O livro, com 120 páginas e publicado pela Editora Conhecimento, custará R$ 50 e traz ainda um texto inédito da própria Edwiges de Sá Pereira — um documento de valor histórico incontornável, que resgata o pensamento de uma intelectual que, à sua maneira, desafiou os limites do seu tempo.
A sessão de lançamento terá a presença da professora doutora Alexandrina Sobreira, pesquisadora da Fundaj e uma das principais referências em estudos sobre gênero e memória no Brasil.
Mais do que um inventário biográfico, Genealogia da Mulher Pernambucana é uma intervenção na política da memória. Um gesto de restituição simbólica em tempos em que a história ainda é, em grande parte, escrita pelos vencedores — e, quase sempre, no masculino.
Ao resgatar essas figuras e inscrevê-las novamente no tecido da história, Andrea Campos reforça o papel da mulher como agente transformador, como pensadora, como líder. E mais: reivindica o direito de cada geração de conhecer suas antecessoras.
“Sem memória não há pertencimento. E sem pertencimento, não há futuro”, sentencia a autora.
O lançamento integra a programação oficial da Fundaj na Bienal do Livro, que neste ano completa 30 anos e celebra o tema “Ler é sentir cada palavra”. A obra de Andrea, nesse sentido, cumpre um papel duplo: sensibiliza e mobiliza.
Serviço
Lançamento de Genealogia da Mulher Pernambucana — das origens à primeira metade do século 20
Autora: Andrea Almeida Campos
Quando: sexta-feira, 10 de outubro, às 19h
Onde: estande da Fundação Joaquim Nabuco — 15ª Bienal Internacional do Livro de Pernambuco
Editora: Conhecimento
Páginas: 120
Valor: R$ 50
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