A matemática da narrativa: A verdade por trás dos números da aprovação em Pernambuco. Por Flávio Chaves

Quando os números escondem mais do que revelam, é preciso ir além das aparências estatísticas.

Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc  – A recente pesquisa Genial/Quaest divulgada em agosto de 2025 provocou inquietação no meio político de Pernambuco. Com 51% de aprovação e 45% de desaprovação atribuídas à governadora Raquel Lyra, os dados, aparentemente estáveis, trazem embutidos questionamentos que transcendem a estatística bruta e exigem uma leitura mais profunda – aritmética, sociológica, antropológica e, sobretudo, política.

Com margem de erro oscilando entre 2 e 3 pontos percentuais, a diferença entre aprovação e desaprovação se torna, tecnicamente, um empate. A pesquisa entrevistou 1.104 pessoas, o que representa cerca de 0,015% do total de 7.152.871 eleitores registrados no estado. Isso exige cautela quanto à representatividade da amostra, principalmente diante da ausência de dados públicos sobre quais regiões e perfis socioeconômicos foram ouvidos.

Segundo o que foi divulgado, a pesquisa foi conduzida em 52 municípios. No entanto, não há detalhamento sobre a distribuição geográfica desses locais, nem sobre o critério de seleção dos entrevistados. Pernambuco é marcado por fortes disparidades entre Região Metropolitana, Agreste, Zona da Mata e Sertão. Sem clareza na estratificação regional, toda a credibilidade analítica da pesquisa fica comprometida.

No campo simbólico da política, Raquel Lyra representa uma ruptura com a velha ordem estadual. Mulher, gestora técnica, firme, sem apadrinhamentos ideológicos e com uma agenda de combate à corrupção histórica em Pernambuco, ela naturalmente desperta resistências. Essa resistência é cultural, institucional e atravessa as estruturas que historicamente dominaram o estado. A tentativa de enquadrá-la como uma governadora “dividida” nas opiniões pode ser uma narrativa forjada para neutralizar sua influência.

Pesquisas são ferramentas de leitura da realidade, mas também instrumentos de formação de opinião. A insistência em destacar o percentual de desaprovação quase no mesmo patamar da aprovação, mesmo em um cenário de estabilidade, revela um desejo implícito de construir uma imagem de desgaste. Essa não é apenas uma questão numérica, é estratégica: o objetivo é desmobilizar apoios, enfraquecer alianças e deslegitimar o avanço de um projeto de gestão mais moderno e responsável.

Não se trata de desqualificar a pesquisa, mas de exigir transparência metodológica. Não é aceitável que se tomem conclusões definitivas a partir de dados que não revelam sua própria engenharia. Uma sociedade democrática exige que pesquisas que embasam narrativas políticas estejam amparadas em critérios técnicos auditáveis e publicamente verificáveis.

Em tempos de guerra simbólica, não são apenas os fatos que importam, mas o que se constrói a partir deles. A matemática pode ser exata, mas a forma como os números são usados é profundamente política. A governadora Raquel Lyra não enfrenta apenas os desafios da gestão, mas também uma disputa narrativa onde cada percentual importa. E é papel do jornalismo de responsabilidade oferecer à sociedade uma leitura que transcenda a superfície das cifras e alcance o cerne da verdade política.

Se a verdade política depende de números, então quem conta os números controla o discurso. E quem controla o discurso, prepara o terreno para o poder.

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