O último abraço ficou guardado. Por Flávio Chaves
Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc – Ele caminhava por entre os dias como quem atravessa um campo de espinhos descalço. Não havia grito, apenas o rumor surdo da ausência. O mundo, lá fora, insistia em girar com seus ruídos de pressa e festa, mas dentro dele o tempo parecia suspenso, como uma fotografia antiga esquecida no fundo de uma gaveta que já não se abre.
Era um homem só. Não por escolha, mas por destino costurado com linhas de perda. A vida, com sua ironia afiada, levou-lhe tudo o que tinha de calor. Amigos viraram ecos. A mulher amada tornou-se lembrança viva, tatuada no lado esquerdo do peito, onde mora a saudade. O amor, quando parte, deixa um vazio que nenhuma outra coisa pode preencher. E o dele partiu inteiro, sem sequer deixar uma carta no batente da porta, sem nem um último olhar para trás.
A solidão não é o silêncio. É um som grave e contínuo, um gemido abafado que ressoa em todos os gestos. Ninguém ensina como conviver com ela. Porque não há manual para sobreviver ao deserto afetivo. Há apenas o corpo tentando manter-se ereto e a alma tateando por migalhas de sentido entre os escombros do afeto.
A angústia é uma árvore seca que cresce no meio do peito, de galhos tortos que se entrelaçam com a respiração. Suas raízes se alimentam de memórias, de futuros que não serão, de promessas que a vida não cumpriu. A melancolia se senta ao lado, muda, mas íntima. Como um velho cão que já conhece todos os cantos da casa e sabe onde repousa a dor.
Havia dias em que ele tentava ser forte. Levantava, tomava café, ajeitava a casa com gestos de quem monta um cenário para ninguém. Mas bastava olhar pela janela e ver o mundo emparelhado em casais, em famílias, em risos compartilhados, que a tristeza voltava como maré cheia. Quem pode ser feliz quando tudo o que se vê não reflete mais nenhuma parte da própria alegria?
Ele era feito de lembranças. E nelas encontrava o que o mantinha vivo. O toque de uma mão que um dia o acolheu, o perfume de uma pele que já não habita o tempo, o calor de um corpo que desapareceu sem apagar sua marca nos lençóis. Tudo era saudade. Uma saudade bruta, sem filtro, que queimava mais do que qualquer sol, mais do que qualquer febre.
Às vezes, sentava-se à beira da cama como um velho marinheiro naufragado, olhando para o chão como se buscasse ali alguma bússola esquecida. Sentia-se como um farol aceso numa ilha deserta, brilhando para ninguém. Chorava baixinho, como quem não quer incomodar o silêncio. E depois respirava fundo, como quem tenta engolir o mar inteiro com um só suspiro.
Mesmo assim, ele seguia. Porque há uma coragem secreta no solitário. Um heroísmo que ninguém vê. A cada dia vencido, um milagre. A cada noite atravessada, uma batalha. E ele sabia: a solidão não revela seu código, mas exige que se aprenda a decifrar a própria dor. Quem ama e perde, carrega um mapa sem destino. Mas ainda assim caminha, ainda assim insiste, mesmo sem ter a quem contar os passos.
No fundo, talvez ele soubesse que certas dores não têm cura. Apenas lugar. E enquanto o mundo seguia em frente, ele permanecia ali, amando em silêncio, chorando sem alarde, vivendo no exato ponto em que a saudade e a coragem se encontram. Um homem só, mas inteiro no sentimento. Um sobrevivente da ternura que o tempo não conseguiu apagar. E isso, apesar de tudo, era a sua forma mais pura de continuar existindo.
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