Um convite para a amada e o destino. Por Flávio Chaves
Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc – Toda grande história de amor começa em silêncio, não o silêncio da ausência, mas aquele que pulsa como uma oração secreta, onde até a respiração do outro se torna idioma, onde o olhar é carta, o gesto é poesia e o tempo se curva diante da presença. Foi nesse silêncio sagrado que ela chegou, não como quem invade, mas como quem compreende. Não trouxe promessas de mundos intocados nem juras gravadas no mármore, mas algo mais raro, mais necessário, mais eterno: a delicada e corajosa disposição de permanecer.
Não falou de milagres, ofereceu o cotidiano. Não trouxe mapas do paraíso, ofereceu mãos dispostas a construir. Era presença que não pedia licença, mas tocava com respeito. Um convite sem envelope, escrito na caligrafia invisível dos gestos pequenos, na forma como preparou o café como se estivesse aquecendo a alma alheia, na escuta que fez doer menos as memórias, na maneira como adentrou os cômodos da vida descalça, sem medo dos cacos, sem pressa de partir. Ela não ocupou espaço, criou lugar.
E talvez seja aí, nesse ponto exato em que o mundo se dobra e o tempo desacelera, que o amor verdadeiramente começa: quando alguém entende que dividir a cama não é apenas partilhar lençóis, mas construir alvoreceres. Que estar junto é menos sobre abraços e mais sobre a arte de permanecer no frio, dividindo o agasalho da esperança. Amar, no fundo, é um ato filosófico. É abrir a porta da alma e permitir que o outro entre com seus descompassos, suas lembranças desbotadas, seus medos e desordens, suas idéias imperfeitas de felicidade.
Amar é erguer uma casa em terreno instável, sabendo que o chão pode tremer e as janelas estalarem ao vento das inseguranças. É compreender que o cimento pode rachar, as paredes desbotar, os móveis cansarem. Mas também é confiar que tudo pode ser restaurado se houver quem permaneça, quem cuide, quem transforme o eu e o tu em um nós com raízes fundas o suficiente para sustentar o peso dos dias.
Porque no fim, quando os enredos se desfazem e as luzes se apagam, o que vale não é quem chega com fogos de artifício, mas quem acende velas quando tudo escurece. Alguém que não prometa paraísos, mas traga no peito o cheiro da eternidade possível. Alguém que compreenda que amar é mais do que delírio e arrepio, é partilhar o pão, a ausência, a espera, o silêncio e a fome de ser compreendido.
É nesse intervalo sagrado entre o toque e o descanso que habita o milagre. O amor, esse velho sábio de olhos cansados e sorriso discreto, não precisa de grandes discursos, mas de presenças que saibam escutar a alma do outro até nos momentos de silêncio mais profundo. Amar é dividir o teto, o tempo, as estações, os ruídos da memória e os ventos da dúvida. É plantar-se inteiro no solo do outro e, mesmo em meio à terra árida, florescer em conjunto, como quem inventa primavera.
Amar, enfim, é criar uma pátria dentro do olhar de quem fica. É construir refúgio nos gestos simples, transformar o cansaço em repouso, e o silêncio em linguagem secreta. E assim, de peito aberto e alma lavada, a vida se reinventa no plural, e o amor, esse hóspede antigo que tudo vê e pouco exige, sorri em silêncio, agradecido por ter sido chamado a habitar ali.
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