Impossível não sentir saudade. Por Flávio Chaves
Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc – É impossível não sentir saudade quando a vida nos arranca alguém que parecia ser para sempre. A saudade chega sem pedir licença, e se instala em cada canto do peito, como uma presença invisível que nos acompanha dia e noite. Ela não respeita horários, datas ou ocasiões: aparece quando o vento sopra mais frio, quando uma música toca no rádio, quando uma lembrança atravessa a memória sem aviso.
Recordo de um senhor idoso que caminhava sozinho por uma rua antiga da cidade. Seus passos eram lentos, como se temesse chegar ao destino. Na mão, carregava uma caixa de madeira, onde guardava cartas e pequenas lembranças que testemunhavam um amor maior do que o tempo. Cada gesto seu revelava um apego que não se explica: guardava bilhetes amarelados, fotos desbotadas, pedaços de uma vida que ele não conseguia, nem queria, esquecer.
Não havia ninguém por perto, mas seus olhos pareciam buscar um rosto em meio à multidão que já não existia. Ele sabia que não encontraria, e ainda assim caminhava, porque a saudade é assim: mesmo sabendo que não há retorno, ela nos impulsiona a revisitar os lugares que guardam a memória do que foi vivido.
Ao chegar em frente a um prédio antigo, parou. Tocou a porta com as pontas dos dedos, como quem tenta sentir pela madeira o calor de uma presença perdida. Não chorou, já não era preciso. Sua alma carregava a lágrima constante de quem aprendeu a conviver com a ausência. Ficou ali por alguns minutos, em silêncio, como se pudesse ouvir uma voz que o chamava pelo nome.
Depois, seguiu seu caminho. Não havia pressa, porque quem carrega a saudade carrega também o tempo suspenso. Mas naquele instante ficou claro: o amor que viveu era tão grande que jamais poderia desaparecer. Ele se transformou em saudade, e a saudade se transformou em força para continuar.
Essa é a grande trilha atônita para quem sabe que existem amores que não se apagam. Eles resistem ao tempo, às perdas e às despedidas. Porque o amor verdadeiro não tem fim, apenas muda de forma. E quando a vida insiste em nos separar de quem amamos, resta-nos a certeza silenciosa: é impossível não sentir saudade.
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