Vídeo: Bern nada, Recife afunda. Por Flávio Chaves

Milhões foram para o fundo: O Capibaribe nunca foi Rio, sempre foi cofre

 Obras de dragagem no Rio Capibaribe: uma promessa que se repete há décadas, afunda em discursos e nunca chega a emergir na realidade.

  Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc  – Na capital da Suíça, uma cena beira o inacreditável para nós, brasileiros: ao fim do expediente, homens e mulheres de terno, vestidos e pastas retornam para casa não pela calçada, não pelo trânsito caótico de carros e buzinas, mas flutuando suavemente pelas águas cristalinas do rio Aare. Com bolsas impermeáveis que servem de boia e proteção para seus pertences, deixam-se levar pela correnteza límpida, em uma experiência que alia lazer, sustentabilidade e mobilidade urbana. Um ritual que traduz a simbiose entre cidade e natureza, entre planejamento público e bem-estar cotidiano. Bern vive o rio.

E por que não nós? O Capibaribe, se tivesse sido tratado como o Aare, poderia hoje ser muito mais do que a cicatriz cinza que corta o Recife. Poderia ser, por exemplo, uma alternativa viável e poética ao trânsito sufocante das avenidas asfaltadas. Um corredor urbano de água, navegável e nadável, para quem quisesse ir e vir com o corpo livre, com o tempo a favor e com a paisagem como companhia. Um espaço que unisse turismo, esporte, contemplação e deslocamento. Um rio vivo, útil e belo. Mas o que se vê é o contrário: um rio esquecido, malcheiroso, de costas para a cidade e cada vez mais distante de qualquer projeto de vida.

Desde a década de 1980, prefeitos e governadores assumem o cargo com o mesmo refrão eleitoral: despoluir o Capibaribe e torná-lo navegável. Sem exceção, todos prometeram. Nenhum cumpriu.

O que se vê, ano após ano, é um ciclo de discursos reciclados e orçamentos robustos. Projetos bilionários, estudos técnicos, audiências públicas, cerimônias de lançamento e depois… o silêncio da água escura e o mau cheiro. O que é mais cavernoso é a fortuna já despejada no rio. Quanto se gastou até hoje com consultorias, obras anunciadas e não entregues, barcaças fantasmas, píeres abandonados, dragagens inacabadas? Qual o volume de recursos públicos jogado no Capibaribe sem que ele, em retorno, tenha sequer voltado a ser um rio minimamente digno?

Enquanto o Aare é um corredor de vida, saúde e beleza, o Capibaribe tornou-se um canal de frustração coletiva, uma cicatriz urbana que corta o Recife e sangra a confiança do povo. Ali, em Bern, o rio integra a política ambiental com a mobilidade urbana e promove cidadania com prazer. Aqui, o Capibaribe é usado como retórica de campanha, apenas isso. Um símbolo não de transformação, mas de inércia.

A diferença entre os dois rios é mais que geográfica. É política. É cultural. É de compromisso com o bem comum. Se a Suíça nada em um projeto coletivo de sustentabilidade real, o Recife afunda na repetição de promessas que, ao longo de décadas, deixaram rastros de inércia e escândalo. É chegada a hora de encarar o Capibaribe como aquilo que ele sempre foi: um rio central para a vida da cidade, não um depósito de ilusões ou de esgotos.

Talvez, um dia, a gente possa também tirar os sapatos no fim do dia e mergulhar no coração da cidade. Mas, para isso, é preciso coragem. Coragem para romper com os ciclos de promessas vazias. Coragem para que o Recife volte a viver seu rio.

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