Preta Gil: o corpo descansou, mas o amor não parte; veja o vídeo. Por Flávio Chaves
Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc – Não há corpo que aguente o peso de tantas batalhas. Mas há almas que, mesmo quando cessam de respirar, seguem soprando beleza sobre o mundo. Preta Gil partiu. E com ela, parte também uma geração de afetos que aprendeu a se expressar com mais coragem, a amar com menos culpa, a existir com mais verdade.
Ela foi música, mas foi mais. Foi filha, mas foi ainda mais. Foi mulher negra, artista, sobrevivente, guerreira de si mesma. Seu nome — Preta — que um dia já quiseram silenciar, tornou-se bandeira. E sua voz, cheia de risos e dores, virou amparo para quem jamais se encaixou nas molduras estreitas de um mundo que cobra muito e acolhe pouco.
E ali, naquele vídeo que agora circula como oração e lamento, vemos uma cena que não é apenas bela, é sagrada. Gilberto Gil, com sua voz de tempo e ternura, canta “Drão”, canção escrita em 1981, no auge da dor de sua separação com Sandra Gadelha, mãe de Preta, que inspirou a letra e o nome da canção.
Preta ouve. Chora. Segura as mãos do pai.
Ao lado, Sandra, a Drão viva, está presente. Silenciosa, com os olhos marejados. Ali está a tríade: o homem, a mulher, a filha. E a canção que os costura, 43 anos depois de ter nascido da dor e da beleza de um amor transformado.
Nada mais precisava ser dito. Era o amor se despedindo. E era também o amor dizendo: não vai embora.
“Drão, o amor da gente é como um grão
Uma semente de ilusão
Tem que morrer pra germinar…”
A letra inteira de “Drão”, cantada ali, naquela despedida não ensaiada, se transforma em testamento. O grão morre para virar pão. A filha parte para renascer na memória. O amor, aquele verdadeiro, permanece.
Preta lutou. Lutou como quem sabe que o tempo não se mede em horas, mas em intensidade. Lutou com o corpo adoecido, com o espírito em chamas, com o olhar sempre de frente. E quando não pôde mais vencer a doença, venceu o medo. Descansou. Não como quem desiste, mas como quem entrega.
E agora, diante da ausência, nos resta o que a literatura sempre nos ensinou: ninguém parte de verdade quando deixa amor espalhado pelos cantos da memória. Lewis Carroll já dizia:
“Despedir-se é não compreender o verdadeiro sentido de partir, porque para dizer adeus você teria que apagar cada vestígio de sua existência.”
E os vestígios de Preta estão por toda parte. Estão nos palcos, nos risos, nas entrevistas em que enfrentava tabus com a delicadeza de quem também já foi ferida. Estão nas fotos ao lado do pai, no colo do filho, no brilho de Sol de Maria, sua neta. Estão nos olhos de Gil, que hoje choram. E nos de Sandra — a Drão — que tudo presenciou com o silêncio das mães que amam além da carne.
Preta Gil vive.
Vive porque amou. Vive porque foi amada. Vive porque foi inteira.
E isso, meu caro leitor, nem o câncer, nem a morte, nem o tempo, podem levar.
Que seu descanso seja leve como a música.
Que sua lembrança seja forte como sua presença.
E que seu nome, Preta, siga sendo luz para todas que ainda precisam aprender que ser quem se é, com orgulho e coragem, é o maior ato de liberdade que existe.
VEJA O VÍDEO:
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