A crônica domingueira. Por Magno Martins

Por Magno Martins – Jornalista, poeta e escritor – Mesmo com tamanhos avanços, especialmente na área industrial e no agronegócio, o Nordeste ainda não conseguiu se livrar de ataques xenofóbicos. O mais recente veio de uma bailarina paulista, que classificou como lavagem a comida de um restaurante em Floresta, no Sertão de Itaparica. Felizmente, pagou o preço, sendo afastada do grupo musical.
Em 1993, quando lancei “O Nordeste que deu certo”, meu primeiro livro, com prefácio do então governador do Ceará, Ciro Gomes, tentei ir ao programa do Jô Soares. A obra revela um perfil inovador e desconhecido pela maioria dos brasileiros: na época, uma região que havia crescido mais do que o Japão, com taxas também acima de regiões ricas no País, como o Sul e Sudeste.
A pauta foi rejeitada. Tudo bem! Tudo bem, não fosse um gesto de preconceito estarrecedor 15 dias após o não da Globo a esse novo Nordeste: no meu lugar, aparece Jô Soares entrevistando o campeão do ranking entre os comedores de banana de um festival folclórico na Zona da Mata pernambucana. Traduzindo: para a Globo, só existe esse Nordeste, do folclore, dos desdentados e da seca.
Aliás, a seca nunca deixou de ser tema preponderante na pauta global, enquanto vamos virando a página, mostrando o Nordeste maior exportador de fruticultura do País, impulsionado por investimentos em energias renováveis, tecnologia e programas sociais, que se destaca no desenvolvimento de tecnologias para otimizar a produção das novas energias não poluentes. Em 2024, a taxa de crescimento econômico do Nordeste foi de 4,0%, superando a média nacional de 3,8%, de acordo com o Boletim Macro Regional da FGV IBRE.
Além disso, a região apresentou um crescimento de 26,7% na renda média entre 2012 e 2024, segundo a FGV Ibre. O Nordeste tem visto um crescimento notável em startups, especialmente no setor de tecnologia, impulsionado por programas de aceleração como o InovAtiva Brasil. O investimento em programas sociais, como o Luz para Todos e o Água para Todos, também tem transformado a realidade de milhões de nordestinos, combatendo a exclusão social e garantindo acesso a serviços básicos.
No último Sextou, programa musical que apresento às sextas pela Rede Nordeste de Rádio, o cantor, sanfoneiro e compositor Dudu do Acordeon disse que compôs a canção “Não fico calado não” em resposta a um ataque xenófobo ao Nordeste. Xenofobia é uma forma de discriminação que se manifesta por meio de atitudes hostis, violência, discriminação e políticas que visam excluir ou marginalizar. O termo vem do grego “xenos” (estranho) e “phobos” (medo).
Prêmio Nobel da Paz pela sua luta contra o racismo, Nelson Mandela disse que ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. “Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar”, eis sua grande lição.
Racismo, preconceito e discriminação em geral é uma burrice coletiva que tem explicação: a má índole associada a falta de educação. Em 2 de outubro de 2022, Bolsonaro votou no Rio de Janeiro com o que parecia ser um coleta à prova de balas sob a camiseta. Após a apuração, culpou os nordestinos pela sua derrota e os chamou de analfabetos.
Quando um chefe de Nação faz uma menção buscando desdenhar e desrespeita de maneira preconceituosa o povo nordestino, reforça também uma perspectiva preconceituosa de parte de seu eleitorado e até mesmo dá razão a uma estratégia de manter o discurso contra os nordestinos. De alguma forma, ele retroalimenta uma forma de representação política baseada no preconceito e valida esse discurso praticamente xenófobo na sociedade brasileira.
O estereótipo do semiárido como uma região de seca – logo inóspita, geradora de miséria, de migração e de assistencialismo social – é um dos elementos presentes nas manifestações de xenofobia. A origem remete ao Brasil Império e a forte estiagem na região em 1877. Esta culminou em políticas que tratavam a seca não como um elemento natural de um bioma, mas como um mal a ser combatido.
Esse imaginário do Nordeste como região de seca, fome, retirantes, coronelismo e messianismo foi amplamente difundido pela imprensa do Sul. Esses elementos estão vivos até hoje e por isso mesmo ainda estamos vulneráveis. Quem nos ataca, ataca a si mesmo como ser humano. Não temos culpa de o Nordeste continuar estampando imorais taxas de desigualdades sociais. Se há alguém culpado, que se jogue pedras nos políticos desavergonhados.
O Nordeste é uma região de força, cultura e sabedoria. Entre o seu sol forte e o Sertão, seu maior símbolo, há um Nordeste de história e resistência. Cada pedacinho de terra carrega a história de um povo que não se entrega. Como diz Patativa do Assaré, não negamos nosso sangue nem nosso nome. Somos da luta, nunca da espera. Mais do que isso, somos a mistura perfeita da beleza, da cultura e da resistência.
Aos que não têm sensibilidade e nos atacam: aqui no Nordeste, até o vento canta. Como disse o imortal Ariano Suassuna, não troco o meu “oxente” pelo “ok” de ninguém. Quanto mais sou nordestino, mais tenho orgulho de ser. Aqui, a fé e a esperança brotam mais fortes que o mandacaru
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