O Centro Morre, a Imagem Cai: Os 18 Pontos Perdidos de João Campos. Por Flávio Chaves
Por Flávio Chaves – Jornalista, poeta, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Foi Delegado Federal/Minc – A recente pesquisa do Instituto Seta Inteligência revelou um dado que acendeu o sinal de alerta no PSB: uma queda de 18 pontos percentuais na intenção de voto do prefeito do Recife, João Campos, na corrida pelo Governo de Pernambuco. O número não apenas impressiona por sua magnitude, como também aponta para um desgaste precoce de imagem e uma percepção de distanciamento entre o gestor e a cidade que governa.
João Campos carrega sobre os ombros não apenas um legado familiar, mas também o peso de uma sequência ininterrupta de gestões do PSB à frente da Prefeitura do Recife e do Governo do Estado, somando-se dezesseis anos de poder concentrado. Foram dois mandatos de Geraldo Júlio como prefeito, seguidos por dois de Paulo Câmara no Palácio do Campo das Princesas. O que poderia ser interpretado como continuidade administrativa começa agora a ser percebido por parte do eleitorado como um ciclo de fadiga e distância da realidade vivida por grande parte da população.
A cidade do Recife, particularmente em seu centro histórico, tem sido o retrato mais visível dessa percepção. Casarões que desabam em silêncio, comércio combalido, insegurança crescente, calçadas esquecidas. A Rua da Imperatriz, o Bairro de São José, a Sete de Setembro, o entorno do Parque 13 de Maio e da Ponte Duarte Coelho, tudo parece gritar por socorro em meio à indiferença urbana. É um abandono que não se disfarça nem se cala. E que chega ao olhar de quem vive no Agreste, no Sertão, na Zona da Mata — graças à força das redes sociais que hoje conectam a dor e a esperança, o centro e os confins.
Nesse contexto, a exposição antecipada do prefeito como pré-candidato ao Governo do Estado talvez tenha sido um gesto político mal calculado. Lançar-se tão cedo implicou também em tornar-se o alvo principal de cobranças e expectativas. A política tem o seu tempo próprio — e quando esse tempo é apressado, há o risco de que a semente ainda verde não resista à luz intensa da exposição.
Outro ponto que tem despertado questionamentos é o elevado número de viagens feitas por João Campos nos últimos meses. A frequência com que o prefeito está ausente da cidade, muitas vezes envolvido em agendas políticas fora do estado, tem sido percebida por parte da população como sinal de distanciamento da vida cotidiana do Recife. Em um momento de grandes desafios urbanos, sobretudo nas áreas mais vulneráveis da cidade, essa ausência ganha peso simbólico e produz ruídos na relação entre gestor e governados.
Nas redes sociais, o que antes era visto com simpatia começa a cansar. As famosas dancinhas, que no início geravam aproximação e leveza, passaram a ser alvo de ironia. Há quem veja nelas um certo desalinho entre forma e conteúdo, um desejo de comunicação que não encontra correspondência na realidade das ruas.
O Recife sofre. Sofre com as chuvas que alagam os bairros populares. Sofre com a morosidade na execução de obras. Sofre com o abandono de seus espaços históricos e culturais. E esse sofrimento, que antes ficava restrito às esquinas esquecidas, agora circula, viraliza, ecoa. O que se passa no centro da capital passa a interferir na imagem do seu gestor junto ao estado inteiro.
A queda nas pesquisas, portanto, não deve ser lida como um tropeço passageiro, mas como um convite à reflexão. Há tempo para rever rotas, para reencontrar a cidade real, para ouvir mais e aparecer menos. O Recife não exige milagres, apenas compromisso. O centro não quer danças, quer dignidade. A população não espera espetáculos, mas presença.
João Campos ainda tem tempo e estrutura política. Mas o tempo da política, quando mal interpretado, pode se converter em tempo perdido. E a confiança, uma vez trincada, exige muito mais do que gestos performáticos para ser reconstruída.
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