EDITORIAL – GAZETA PERNAMBUCANA: O balaço, o tarifaço e o país exausto

Quando o Estado cobra mais e entrega menos, a conta chega em sangue, medo e descrença

O Brasil amanheceu mais uma vez sob o som da pólvora. O que se viu no Rio de Janeiro, na terça-feira, 28 de outubro de 2025, foi um retrato brutal da falência da segurança pública: uma operação policial transformada em batalha campal, com pelo menos 64 mortos, e, segundo a Defensoria Pública, possivelmente mais de cento e trinta vidas perdidas em poucas horas. Corpos alinhados em vielas da Penha e do Alemão sintetizam o colapso de um Estado que perdeu o controle do próprio território. A violência, agora, já não é notícia, é rotina.

Enquanto os tiros ecoam, a vida civil enfrenta sua própria guerra: o tarifaço. A energia elétrica voltou à bandeira vermelha, o transporte encareceu, os impostos se multiplicam. O Tesouro Nacional apontou uma carga tributária recorde de 32,32% do PIB em 2024, aumento de 2,06 pontos percentuais em relação ao ano anterior. O governo diz buscar equilíbrio fiscal; o povo sente o peso de um país que cobra como potência e entrega como colônia. Não há contrapartida, nem retorno. A cortina de fumaça fiscal tornou-se o método preferido de mascarar o vazio da gestão.

Em julho, o ex-presidente Donald Trump reacendeu a guerra comercial com o Brasil ao impor tarifas de até 50% sobre o aço e o alumínio brasileiros. O presidente Lula respondeu com indignação, classificando a medida como “chantagem inaceitável”. Mas a reação não veio sozinha: politicamente, o episódio serviu como cortina de fumaça conveniente, desviando o olhar da crise interna que o país atravessa. Enquanto Brasília discursava sobre soberania e resistência externa, o Brasil real continuava desmoronando. O tarifaço de Trump tornou-se o espelho perfeito do tarifaço doméstico, aquele que o próprio governo impõe aos brasileiros, silenciosamente, com reajustes e novos tributos. O inimigo externo virou narrativa; o inimigo interno é a própria incompetência administrativa.

O país assiste, cansado, à repetição de um enredo previsível. A periferia explode primeiro, mas o estilhaço já alcança o centro urbano. O barril de pólvora, há muito tempo armado, começou a detonar. A violência que se expande do morro para o asfalto é a metáfora mais precisa da erosão institucional: quando o Estado se ausenta, o crime preenche o vácuo. Quando o poder público é ineficiente, o desespero se organiza. É por isso que o “balaço” e o “tarifaço” se tornaram irmãos gêmeos da mesma tragédia nacional, um simboliza a ausência de segurança, o outro, a ausência de governo.

O Brasil paga caro e recebe pouco. Paga com dinheiro, paga com medo, paga com vidas. Enquanto as elites políticas travam batalhas de narrativa, as famílias pobres, que somam mais de 20 milhões vivendo em extrema pobreza, continuam invisíveis. Nos bairros populares, o gás de cozinha pesa, a conta de luz ameaça, o transporte consome metade do salário, e o Estado aparece apenas para cobrar. É a perversidade da tributação sem retorno, da gestão sem entrega, do poder sem responsabilidade.

A cortina de fumaça não se sustenta por muito tempo. Nem as tarifas americanas, nem os discursos inflamados, nem as desculpas fiscais conseguem esconder o que é evidente: falta governo. Faltam metas, planejamento, prioridade e ética. Falta o essencial — governar com competência e propósito. O que sobra é improviso. A violência não nasce no gatilho, nasce na omissão. E o imposto não é o problema em si, é o espelho de um Estado que cobra por um serviço que não presta.

O Brasil de 2025 é um país exausto. Exausto de desculpas, de aumentos, de balas perdidas e promessas encontradas apenas em discursos. Exausto de pagar caro para ver o nada funcionando. O cidadão que cumpre seu dever fiscal e social merece um Estado que cumpra o seu. O tarifaço não substitui governo; o balaço não substitui política pública. Enquanto não houver uma inversão real, primeiro gestão, depois cobrança, a crise continuará se alastrando como pólvora, do Oiapoque ao Chuí.

A Gazeta Pernambucana reafirma seu compromisso com o olhar crítico, livre e corajoso. É tempo de exigir menos retórica e mais entrega. O Brasil não precisa de mais cortinas de fumaça, precisa de luz. É necessário se posicionar com veemência: é preciso coragem para fazer o que dá menos manchete e mais resultado, governar.

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