O assédio sexual nos câmpus em 128 atos. Do PORTAL METRÓPOLES

Documentos obtidos com base na Lei de Acesso à Informação revelam que estudantes, professoras e funcionárias têm sido vítimas de constrangimentos, agressões e até estupros em universidades e institutos federais de todo o Brasil
Por Tácio Lorran, Melissa Duarte e Manuel Marçal

“Ele vivia fazendo insinuações. Era nojento”, desabafou uma estudante de 16 anos sobre o então professor Pablo Polese Queiroz, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul (IFMS). As acusações vieram à tona em 2022, e essa já era a segunda vez que o docente estava sendo denunciado por constranger alunas.

Em 2020, outra estudante contou que o professor lhe enviou uma figurinha no grupo de WhatsApp da sala: “Deixa eu comer você?”. Em seguida, em conversa privada, comentou uma foto da aluna: “Linguão”.

Elogios constrangedores, piadas de duplo sentido, mensagens indiscretas, comentários inadequados, toques no corpo, investidas físicas e até estupros são condutas denunciadas por estudantes, estagiárias, professoras e funcionárias de universidades e institutos federais de todo o país.

Após analisar 128 processos administrativos disciplinares (PADs) durante os últimos nove meses, o Metrópoles fez um levantamento inédito sobre assédio e condutas de conotação sexual praticadas por professores e servidores públicos de instituições federais de ensino.

Trata-se de um dossiê sobre as violências e os constrangimentos a que as mulheres estão submetidas apenas por frequentarem ambientes de ensino no Brasil.

Vinícius Schmidt / Metrópoles
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As ocorrências de assédio não se restringem às salas de aula. Há casos em vestiários, cantinas, laboratórios e até mesmo fora dos câmpus, como em caronas e em viagens universitárias

A investigação abrange processos instaurados nos últimos 10 anos. Optou-se por contar cada uma das histórias citando o nome dos professores e dos servidores sancionados, pois as punições de processos administrativos disciplinares são atos públicos. Todos os docentes e servidores foram procurados para apresentarem suas defesas.

Em relação às vítimas, a reportagem decidiu mantê-las no anonimato a menos que desejassem falar.

Os PADs são investigações conduzidas no âmbito da administração pública para apurar denúncias de condutas de servidores que possam ter contrariado as funções e atribuições previstas em lei. As punições decorrentes desses processos variam entre advertência, suspensão (que pode ser convertida em multa), demissão e cassação da aposentadoria.

Os casos analisados envolvem ao menos 265 vítimas e 132 acusados. Os registros foram organizados em um mapa por localidade e por instituição de ensino. Há relatos de agressões em todos os 26 estados e no Distrito Federal, o que comprova a recorrência das investidas, de norte a sul.

Os documentos revelam situações de constrangimento ou violência apuradas em 59 universidades e institutos federais. A partir deles, foi possível identificar as abordagens mais comuns, o sofrimento causado às vítimas e o perfil dos assediadores.

Saiba perfil de professores e servidores punidos por assédio sexual em universidades e IFs | Metrópoles

navegue e leia os casos no mapa dos assédios

128 casos

Como foi feito o levantamento

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Lição de desrespeito

A investigação jornalística aponta que o desrespeito à condição feminina – 8,5% dos casos envolvem agressões sexuais a pessoas do gênero masculino – é uma lição repetida à exaustão nas instituições de ensino públicas.

E, em todos os casos, quem profere a disciplina do abuso é um homem. Nenhuma mulher aparece como acusada nos PADs analisados.

Os documentos também mostram que o sistema educacional falha na hora de responsabilizar os agressores. Até dois anos atrás, não havia parâmetros definidos para estabelecer as penas dos acusados, e a sanção ficava a critério da subjetividade dos julgadores.

A maioria das universidades não dispõe de políticas públicas para prevenção e combate ao assédio, o que aumenta a sensação de impunidade e o sentimento de insegurança das vítimas.

Elas romperam o silêncio e denunciaram

“Ele estava na minha cidade, me procurando, perguntando às pessoas onde era a casa da minha família”
Beatriz Oliveira
Universidade Federal de Sergipe (UFS)
“São e-mails aterrorizantes, com alto teor sexual. Fiquei com muito medo dele”
Elizângela de Jesus
Universidade Federal do Amazonas (Ufam)
“Não conseguia nomear o que passei, só depois entendi que tinha nome
Mariana Costa
Universidade Federal de Viçosa (UFV)
“É uma história importante de ser contada. A gente não pode admitir que isso siga acontecendo”
Mariana Sobrinho
Universidade de Brasília (UnB)

Para trazer à luz as informações sobre o lado mais sombrio das instituições de ensino brasileiras, a equipe do Metrópoles fez 156 pedidos com base na Lei de Acesso à Informação (LAI) e se debruçou sobre mais de 40 mil páginas de PADs e de processos judiciais.

A reportagem também percorreu 5.637 km em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Sergipe e no Distrito Federal para ouvir mulheres que se dispuseram a falar sobre a violência sofrida. Beatriz Oliveira, Elizângela de Jesus Oliveira, Mariana Costa e Mariana Sobrinho concordaram em rememorar suas dores, na expectativa de interromper o silêncio imposto sobre o assunto nas universidades.

Além das vítimas, acusados, autoridades e especialistas foram ouvidos na tentativa de compreender o que ainda falta para que os câmpus se tornem locais mais seguros para as mulheres.

O assédio sexual é um crime definido no Código Penal como o ato de constranger alguém, com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, valendo-se de condição de superioridade hierárquica. De acordo com a Controladoria-Geral da União, mensagens, gestos, cantadas, piadas e insinuações podem caracterizar assédio.

No âmbito administrativo, são punidas “condutas de conotação sexual”, que incluem o assédio e outros atos de médio ou baixo grau de reprovabilidade, que não necessariamente exigem tipificação penal. Também são penalizadas situações graves, como os crimes de importunação sexual e estupro.

o que são condutas de conotação sexual?
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A fragilidade das vítimas

A prática de assédio sexual dentro das instituições de ensino se vale, principalmente, da inexperiência das vítimas, combinada com a posição de hierarquia dos assediadores. No geral, as vítimas são mais jovens que os agressores. Algumas são menores de idade – estão em fase de desenvolvimento, ainda aprendendo a construir relações e a se posicionar perante os outros.

Essa ingenuidade pode ser manipulada por professores e servidores, homens décadas mais velhos, que estão em outro momento da vida e da carreira. É comum que as vítimas não saibam se desvencilhar de cantadas indesejadas ou não identifiquem imediatamente as abordagens inadequadas. Também acontece de serem seduzidas por propostas românticas e idealizarem relacionamentos.

Entrevistada pela reportagem do Metrópoles, Mariana Costa que, atualmente tem 32 anos, conta que viveu uma relação abusiva com o professor Edson Ferreira Martins, conhecido no campus da Universidade Federal de Viçosa (UFV) por seu perfil namorador.

À época do relacionamento, ela tinha 18 anos e só percebeu o grau de manipulação do professor ao conversar com outras alunas que se relacionaram com ele e também relataram comportamentos abusivos. Juntas, tiveram coragem de levar o caso à direção da universidade. Martins foi expulso por recomendação da sindicância instaurada, mas acabou readmitido por decisão judicial.

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Mariana Costa precisou deixar Viçosa para seguir a carreira acadêmica no Rio de Janeiro: “Fui perseguida”

Outra estudante, do Mato Grosso do Sul, desabafou sobre o relacionamento que manteve com um professor casado. Em mensagem de texto enviada ao docente, ela expressou o quanto se sentiu usada: “Você tem noção da manipulação que é você ficar ‘brincando’ com meninas de 15, 16 anos? Quando a gente entra no IF, tudo é maravilhoso, e a admiração que temos pelos nossos professores é muito grande. Tudo muda na nossa vida, e aproveitar desse momento e da admiração que temos é muito desumano”.

Os relacionamentos amorosos entre professores e estudantes são desaconselhados e até proibidos em muitos países. A Austrália, por exemplo, possui uma política nacional que afirma que interações dessa natureza “nunca são apropriadas”.

A advogada Mayra Cotta, especialista em questões de gênero, explica que no Brasil não há uma proibição legal para o namoro entre professores e estudantes. Na opinião dela, porém, é importante que a posição de igualdade no relacionamento seja preservada, especialmente por quem tem mais poder.

Pessoas em posições hierárquicas superiores devem seguir padrões de comportamento e de responsabilidade ética. Um dos quesitos mais importantes é reconhecer que a assimetria existe e, por isso, é necessário garantir as condições necessárias para que a outra pessoa seja ouvida, para que seus sentimentos importem e sejam levados em conta”

Mayra Cottaadvogada

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Objetificação das estudantes

A análise dos PADs sobre assédio sexual nas universidades também mostra que as adolescentes e as mulheres são frequentemente objetificadas em salas de aula e corredores. Professores e servidores se referem aos atributos físicos delas, constrangendo-as diante de outros alunos, ou usando-as como exemplo em piadas ou explicações de duplo sentido.

Na Universidade do Mato Grosso do Sul (UFMS), um professor teria dito a um aluno: “Não dá vontade de dar um beijo na boca dessas gurias?”. Na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, um professor de teatro aproveitou uma atividade acadêmica para tocar a bunda de uma estudante.

No campus Paracambi, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), um professor foi demitido após queixas de que ele passava as mãos nas costas, nos braços, no pescoço e até nas nádegas de alunas.

Na Universidade Federal do Ceará (UFC), um professor explicou o conceito de inércia empurrando as costas de uma estudante e acrescentou, de maneira jocosa: “Ela está gostando. Empurrar por trás é gostoso”. No PAD, a jovem contou que os colegas riram e que se sentiu muito envergonhada com a situação.

Uma aluna do colégio vinculado à Universidade Federal do Maranhão (UFMA) desabafou sobre constrangimentos desse tipo: “A gente percebe, quando vai entregar prova, que ele olha para nossas partes, e isso nos faz sentir mal. Sentimos medo de ficar só com ele na sala, de ser a última a entregar a prova”, relatou.

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No Brasil profundo, atéacusações de exploração sexual

Longe das capitais, o assédio em universidades e institutos ganha mais uma camada de perversidade: a exploração de vulnerabilidades econômicas e sociais das vítimas.

No campus Floresta, do Instituto Federal do Sertão Pernambucano (IFSertaoPE), o professor Wagner Pinheiro insistia em seduzir um estudante até que foi flagrado pela mãe do menino. O município fica a 435 km de distância de Recife (PE), tem 30 mil habitantes e figura no terço mais pobre do país, considerando o PIB per capita.

Wagner oferecia recompensas, como, por exemplo, créditos em jogos de celular e lanches, para se aproximar do garoto. No PAD, foram apresentadas mensagens dele ao aluno: “Só vi vc de bombeiro aquele dia kkkkkkk. Quase chamo para apagar um ? lá em ? kkkkkkkkkk”. A defesa argumentou que as conversas teriam sido retiradas de contexto.

As propostas do servidor público chamaram a atenção da Procuradoria-Geral Federal junto ao IFSertaoPE, instância revisora dos processos administrativos. O órgão, vinculado à Advocacia-Geral da União (AGU), destacou as ofertas financeiras como uma estratégia de aliciamento.

O assédio sexual, ao contrário do que possa se imaginar, não se dá apenas por meio de ameaças de reprimendas, castigos ou imposição de prejuízos à vítima, caso não ceda ao assediador. Ele também ocorre quando há promessas de benefícios para as vítimas, que, em situação de inferioridade – social, ambiental, profissional e financeira – vê-se constrangida a ceder às investidas de cunho sexual”, assinalou a procuradora federal  Letícia Cabral de Alcântara.”

Letícia cabralprocuradora federal

Na Faculdade Intercultural Indígena (Faind), vinculada à Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), dois professores foram expulsos após serem investigados por assédio sexual a estudantes indígenas; uma delas ficou grávida. A sindicância concluiu que os docentes se valeram da fragilidade social das alunas para cometerem abusos sexuais. Na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), uma estudante da etnia ouviu de um professor: “Quero provar o gosto de uma indígena”.

No interior do Amazonas, professores do campus Manacapuru, do Instituto Federal do Amazonas (Ifam), estão sendo investigados pelo Ministério Público Federal (MPF) por se envolverem com estudantes. O município tem Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de 0,614 e figura entre as 200 cidades com as piores taxas de escolarização do país, segundo dados compilados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com poder aquisitivo bem acima da média dos moradores da cidade, os servidores públicos do instituto federal teriam se aproveitado de sua condição financeira e de posição social para seduzir as estudantes.

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Vítimas, acusados e punições

Ao todo, 98 professores e 34 funcionários do quadro técnico de universidades e institutos  foram acusados.

Desse total, 72 servidores foram demitidos ou tiveram a aposentadoria cassada, 46 foram suspensos, e 17 receberam advertências. Há professores que receberam punições mais de uma vez.

Embora a maioria das vítimas sejam estudantes do sexo feminino, também foram instaurados PADs para apurar assédios e constrangimentos contra alunos, professoras e funcionárias.

No caso dos institutos federais, as vítimas geralmente tinham menos de 18 anos, o que as deixava em uma condição de maior vulnerabilidade.

Os PADs revelam que não há um padrão de comportamento entre os assediadores. Alguns se excedem em elogios e olhares; outros apostam nas piadas de duplo sentido ou em convites despropositados. Também há os que, mesmo casados ou comprometidos, tentam enredar as estudantes em relacionamentos.

Os avanços sexuais ocorrem dentro e fora da sala de aula, durante pesquisas de campo, viagens acadêmicas, jogos estudantis e festas de alunos. Também não ficaram restritos ao horário do expediente: foram feitos no ambiente escolar, na presença de várias testemunhas ou no modo privado das redes sociais.

COMO FUNCIONA UMA INVESTIGAÇÃO

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Icone que sinaliza o scroll lateral

Os professores e os servidores investigados nos PADs tinham entre 26 e 67 anos de idade à época da punição. O grupo com faixa etária de 40 a 49 anos foi o que apresentou maior número de acusações (45 casos), seguido da faixa etária entre 30 e 39 anos (35 ocorrências).

O fato de a maioria das vítimas ser mulher, em um país que as coloca em um lugar de subordinação, evidencia a desigualdade de gênero brasileira”, explica a psicóloga Elisabete Franco Cruz, professora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora da Rede Não Cala!”

Elisabete cruzPsicóloga

A Rede Não Cala!, composta por professoras e pesquisadoras da Universidade de São Paulo (USP), foi formada para combater a violência de gênero na instituição paulista.

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Impactos acadêmicos e emocionais

A conduta dos assediadores produz consequências dolorosas para as vítimas. Algumas delas até desistem de seus projetos por não saberem como lidar com o assédio. Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), uma estudante largou o curso de pós-graduação em geografia após perceber o interesse romântico do orientador.

No campus Ouro Preto, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (IFMG), duas estudantes desistiram da disciplina de sociologia por causa do comportamento do professor. Uma delas contou ao Metrópoles que tomou desgosto de assistir às aulas por causa dos olhares excessivos e comentários inoportunos do professor.

Relatos assim são comuns em várias universidades e institutos. Após o assédio, as estudantes têm dificuldades para cursar a disciplina, sentem medo de ser perseguidas, acham que o professor vai dificultar a publicação de um artigo ou a obtenção de uma bolsa”, aponta a professora Elisabete Franco Cruz.

A pesquisa Causas e Efeitos Psicológicos do Assédio Sexual, de Marcia J. Weiss, publicada em 2025, afirma que os efeitos psicológicos para as vítimas de assédio sexual podem ir de leves a graves, reduzindo o rendimento profissional e/ou educacional.

As vítimas que permanecem nesses ambientes ficam assustadas, nervosas e irritáveis, podendo sofrer crises de choro. Algumas passam por colapsos nervosos, pois os sentimentos de isolamento, impotência e vulnerabilidade se tornam avassaladores”, afirma Weiss, no texto.

Problemas de sono, transtornos alimentares e outros danos à saúde podem surgir em consequência do assédio.

O sofrimento psicológico e emocional pode levar a consequências físicas, e as vítimas ficam impossibilitadas de dormir, o que aumenta a suscetibilidade a doenças. Outras apresentam ganho ou perda de peso, palpitações cardíacas, dores de cabeça e fadiga muscular, além de aumento da preocupação e da ansiedade”

marcia WeissPesquisadora

É como se a vida delas estivesse seguindo uma linha reta e, após o abuso, a trajetória mudasse completamente. O ambiente que enxergavam como acolhedor e seguro se torna perigoso, um local onde podem sofrer violência. Os orientadores deixam de ser referência para se tornarem potenciais violadores.

Ser filmada enquanto tomava banho no último dia de um campeonato estudantil traumatizou Luísa (nome fictício, a pedido). O caso aconteceu em 2020, quando ela tinha 17 anos. Espiando a jovem por trás de uma janela, o auxiliar de administração Maicon Vinícius de Paula fez imagens da jovem no vestiário do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná (IFPR).

“Quando percebi, me joguei para o lado, na tentativa de me esconder. Consegui me enrolar em uma toalha e me vesti com minha roupa molhada mesmo”, relembrou em entrevista ao Metrópoles. “Passei um um mês sem conseguir tomar banho sozinha por causa do trauma e, até hoje, sinto receio e medo”, completa ela, que denunciou o caso à direção do instituto.

A professora Elisabete Franco Cruz destaca que os danos psicológicos muitas vezes são somatizados, por isso é comum que as vítimas desenvolvam gastrite e doenças de pele. “A maior crueldade está em expô-las a um episódio traumático que nunca sairá da memória delas”, afirma.

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Silêncio institucional

Os 128 processos administrativos disciplinares (PADs) aos quais o Metrópoles teve acesso integram um conjunto de 473 procedimentos instaurados nos últimos 10 anos para apurar “condutas de conotação sexual”. Desse total, 183 resultaram em sanções; 146 foram arquivados, anulados ou resultaram na absolvição do servidor público; e outros 143 ainda estão em andamento.

Esses números, no entanto, são apenas a superfície, a parte mais visível, de um problema muito maior. Sabe-se que o assédio sexual, assim como outros crimes dessa natureza, são subnotificados devido a fatores como falta de informação, vergonha, medo de represálias ou estigmatização das vítimas.

Obrigadas a viver na mesma comunidade que os assediadores, muitas mulheres optam pelo silêncio. E, nesses casos, o caminho fica aberto para que os agressores mantenham comportamentos inadequados por um longo período de tempo.

Entre os PADs obtidos pela reportagem, chamaram a atenção casos de professores cujas abordagens já eram alvo de queixas de alunas há pelo menos uma década.

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A maioria das universidades federais tem falhado na proteção às estudantes, segundo auditoria do TCU

No artigo Assédio Sexual no Ensino Superior Brasileiro: uma análise sociogendrada das emoções e das subjetividades na transferência entre alunas assediadas e professores assediadores (2022), a professora de psicologia Valeska Zanello e a doutora na mesma área Iara Flor Richwin, ambas pela Universidade de Brasília (UnB), denunciam o silenciamento das vítimas:

O assédio ainda é um grande tabu a ser problematizado e enfrentado nas instituições de ensino superior no Brasil. Ele transita em meio a um processo de silenciamento, no qual várias cumplicidades são interpeladas de modos distintos, que podem ser, em maior ou menor medida, emocionais ou corporativistas.”

valeska zanello e iara flor richwinpesquisadoras

Segundo Zanello e Richwin, “diferentes atores institucionais participam, consciente ou inconscientemente, da manutenção do silêncio e da invisibilização desse tipo de violência”. “Em geral, o propósito é evitar escândalos, confusões, mas, sobretudo, proteger a reputação acadêmica e profissional do assediador”, ressaltam.

A advogada Mayra Cotta alerta para a gravidade da situação. “Por que as mulheres ainda não denunciam? Se uma mulher hoje prefere aguentar um assédio sexual a denunciar, isso é uma falha institucional. Sempre que uma mulher deixa de denunciar, evidencia-se uma falha da instituição no dever de acolhê-la e protegê-la”, afirma a advogada especialista em gênero.

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Falhas no combate àviolência de gênero

Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) publicada em março deste ano identificou que 41 das 69 universidades federais do país não têm uma política institucionalizada de prevenção e de combate aos assédios sexual e moral.

O mesmo relatório mostrou que 55 instituições não têm protocolos ou diretrizes específicas para a investigação de casos de assédio. Além disso, em 52 universidades federais, não há evidências de que os processos sejam conduzidos com uma abordagem de gênero.

A inexistência de uma política pública de prevenção e combate ao assédio contraria as orientações da Convenção OIT 190, bem como a Lei nº 14.540/2023, que institui o Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual e demais Crimes contra a Dignidade Sexual e à Violência Sexual na administração pública; a Lei nº 14.457/2022, que implementa o Programa Emprega + Mulheres; e o Decreto nº 12.122/2024, que cria o Programa Federal de Prevenção e Enfrentamento do Assédio e da Discriminação.

Essa limitação compromete a efetividade das atividades de enfrentamento ao assédio no ambiente universitário, aumentando a sensação de impunidade, o sentimento de insegurança de integrantes da comunidade universitária, em especial mulheres e pessoas LGBTQIAPN+”, descreve o Relatório do TCU.”

O relatório aponta ainda para a necessidade de capacitações voltadas à comunidade acadêmica – professores, servidores e estudantes – para que o combate ao assédio avance nas instituições.

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Sem respostas oficiais

Desde 19 de maio, o Metrópoles solicitou entrevistas ao ministro da Educação, Camilo Santana, e ao secretário de Educação Superior da pasta, Marcus Vinicius David, mas nenhum dos dois atendeu à reportagem.

A assessoria de comunicação do Ministério da Educação (MEC) também foi procurada por e-mail, telefone e mensagem, mas não respondeu aos questionamentos encaminhados. As perguntas eram sobre as políticas públicas do MEC para coibir o assédio sexual dentro de universidades e institutos federais e que medidas a pasta tomaria diante do cenário apresentado neste texto.

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